- Valor Econômico
Não adianta querer incendiar o país no mês de janeiro
De palpiteiro a criador de problemas com suas declarações polêmicas sobre tudo e sobre todos, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, transformou-se, em dois meses de governo, em oráculo. Desaguadouro de queixas, instância de recurso ao bom senso, gabinete da salvação para quem precisa resolver problemas com o governo.
Sua imagem virou do avesso. Vê-se que o espalhafato que se tinha impregnado ao seu comportamento, de perto, não se confirmou. O general é ameno, afável, discreto, porém não deixa pergunta sem resposta, por mais arriscada que seja, e parece não temer o quarteto Bolsonaro que governa o país e derruba autoridades. Fala sobre todos os problemas do governo, políticos ou administrativos, com muita segurança, sabe muito bem o que quer e para onde vai.
Diz com toda a ênfase que não é candidato à sucessão do presidente, desejo conspiratório que um integrante da primeira família lhe atribuiu. Seu projeto termina com Bolsonaro. Como o presidente continua com a ideia de não concorrer á reeleição e pretende mesmo acabar com o instituto, Mourão também é contra e não deseja suceder o presidente. "Jamais. O meu pacote foi só para estar aqui com o presidente".
No início do governo, Mourão chegou a mencionar uma tarefa, que lhe seria atribuída, de coordenar as ações de governo, inaugurando uma antiga ideia de dar responsabilidade administrativa ao vice-presidente.
Não ganhou, mas o movimento do seu gabinete, hoje, comprova que tem tarefas especiais e não é vice decorativo, como se autointitulou o ex-presidente Michel Temer quando na Vice-Presidência.
Mourão reúne-se com Bolsonaro duas a três vezes ao dia, e tem agenda repleta de trabalhadores, empresários, grupos que querem sua intermediação com o Executivo e o Congresso. Trata de questões internacionais, denotando que, embora recuse a definição, está sendo uma espécie de moderador nas relações do governo com a sociedade.
Sexta-feira última, véspera do Carnaval que passaria em Brasília em lugar de voltar ao Rio onde morava, como faz nos fins de semana, o vice-presidente recebeu uma delegação da CUT, preocupada com o fechamento da fábrica da Ford em São José dos Campos, presidiu reunião do conselho de Defesa para tratar do linhão de Roraima ("Ali há jogos de interesses, vocês sabem quem domina as termelétricas, tudo é dinheiro), e participou de longa reunião com o chanceler Ernesto Araújo para tratar de China e Venezuela. Tinha acabado de voltar da reunião do Grupo de Lima, onde se discutiu as relações com a Venezuela e representou o Brasil. Ao deixar o gabinete para iniciar o feriadão parou para dar entrevista e, entre assuntos celestes e terrenos, citou uma hipótetica passagem pelo Baby Doll de Nylon, o mais numeroso bloco carnavalesco de Brasília. O general está também ficando pop.
Nesses dois meses de governo, mudou muito a visão que se tinha do general Mourão. E a visão dele sobre o governo, como se deu? Foram dois meses atribulados, com o afastamento do presidente Jair Bolsonaro por internação hospitalar, primeiros ruídos de um ministério para o qual foram nomeados personagens bizarros, brigas e demissões de ministro provocadas pelos filhos do presidente.
O general não tenta defender ninguém, sabe que as coisas não ocorreram como se esperava, mas tem avaliação bem objetiva: "Em primeiro lugar, houve a reorganização. Uma tentativa de enxugar a máquina. E isso não é um processo que você consiga fazer da noite para o dia, era a diretriz do presidente e todos nós temos trabalhado em cima disso".
O segundo aspecto que destacou é que janeiro é, normalmente, um mês parado. O que isso significa? "Não adianta querer incendiar o país em janeiro porque é impossível. Janeiro só se incendeia com o calor do verão, é a única coisa".
Ao mesmo tempo, houve o longo afastamento do presidente para internação hospitalar e Mourão deixa transparecer algo que estava latente mas ninguém ousava comentar abertamente: "Havia a cirurgia que o presidente tinha que fazer, com todos os óbices que ela poderia acarretar".
No paradão de janeiro inclui o Congresso, os novos parlamentares não tinham tomado posse, os antigos se despediam. Ainda assim, no meio desse nada, surgiram dois grandes projetos do governo que foram concluídos no nível técnico e levados ao Parlamento. "Conseguimos aquilo que consideramos o passo inicial para as mudanças do país que é a Nova Previdência, e os projetos ligados à segurança". A partir desta quarta-feira de cinzas tudo começará a fluir, na avaliação de Hamilton Mourão. "Principalmente depois do Carnaval, quando o país começa... não adianta você querer lutar contra a cultura que existe dentro do Brasil. Você não muda essa cultura da noite para o dia e nossa cultura é essa ai".
Mourão informa: "Estou cumprindo o papel que tenho que cumprir". Por sua agenda seria possível considerá-lo um mediador entre o governo e a sociedade, mas ele recusa o rótulo. "Isso é um processo decisório, todo mundo apresenta suas ideias, suas linhas de ação, para que o presidente decida".
O vice está tratando ainda dos conflitos externos. "O problema da Venezuela é diferenciado. A Venezuela sempre foi uma parceira econômica dos EUA por causa do petróleo. Quem morou na Venezuela, como eu morei, sabe que existe uma atração natural do venezuelano pelos EUA. A meca venezuelana é Miami, não é Buenos Aires ou Rio de Janeiro. Então tem que entender essa característica. Óbvio que o período do chavismo buscou romper essa lógica, mas vamos lembrar... em nenhum momento Chávez deixou de vender petróleo para os EUA".
"A CUT veio conversar comigo essa questão da Ford, que nos preocupa porque o índice de desemprego é altíssimo e ainda não conseguimos as medidas que serão necessárias para resolver. Eles conversaram comigo e eu imediatamente fui lá conversar com o presidente. Várias vezes eu me referi como escudo e espada do presidente, que muita coisa venha para cá", afirma Mourão. "Tem o nível tático e o nível estratégico. O nível tático é esse combate aqui direto, o nível estratégico é do presidente".
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