- Folha de S. Paulo
Para militância, corte buscaria punir abusos; para público em geral, medida seria técnica
À medida que ficava claro que o público condenava os cortes de verbas nas universidades, o governo se viu forçado a agir.
Por um lado, o ministro Abraham Weintraub fez o possível para se explicar nas redes sociais, transformando o que parecia ser uma perseguição política num contingenciamento de recursos trivial.
Weintraub deixou de falar em cortes de 30% nas verbas e passou a se referir ao percentual de 3,5 em relação ao orçamento total. Deixou também de falar em balbúrdia e mal desempenho e passou a tratar a medida como uma demanda técnica da área econômica.
Como o governo descobriu após tomar a medida, a universidade pode estar distante das pessoas comuns, mas tem um impacto social enorme.
Segundo o censo da educação superior, há atualmente 2 milhões de estudantes matriculados em instituições públicas de ensino superior, algo como 1% da população brasileira. Essa multidão de beneficiados que tem família, amigos e vizinhos se viu imediatamente ameaçada pelo discurso do ministro e foi empurrada para a militância em prol das universidades.
Além dos estudantes, diversas cidades cujas economias giram em torno das universidades federais, como Santa Maria ou Ouro Preto, entraram em alerta e se indignaram contra a medida, que, se levada ao seu limite, destruiria a economia local. As manifestações marcadas para a próxima quarta-feira (15) devem mostrar a extensão da insatisfação.
Apesar disso, a militância bolsonarista seguiu com um discurso radical, impulsionando uma agressiva campanha antiuniversitária, reforçando a abordagem original de que a universidade seria um antro de vagabundos que desperdiçam dinheiro público com atos de nudez e pesquisas com viés político.
A dualidade não parece falta de coordenação, mas sinal de que o bolsonarismo adotou um discurso duplo, mais ou menos técnico para o público em geral e inflamado e valorativo para os seguidores mais fiéis. A tática se coaduna com a estratégia mais geral do governo.
Ao que parece, Weintraub originalmente pretendia apenas punir e jogar a opinião pública contra a universidade que enxerga como um meio social adverso. Quando percebeu que a medida era impopular, deu uma guinada na comunicação oficial, mas deixou a militância seguir o primeiro discurso, insuflando a indignação dos conservadores.
Isso faz parte da estratégia geral de se sustentar politicamente com uma minoria radicalizada, fortemente mobilizada: uma parcela apenas grande o suficiente para passar para um segundo turno, mas mobilizada o suficiente para lá convencer os demais de que a esquerda corrupta é um mal maior.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
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