- Folha de S. Paulo
Brasil da Lava Jato tem a aprender com países como Chile e Peru
Além dos contatos indevidos —talvez ilegais— entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores, os vazamentos do Intercept mostraram como a conversão da Lava Jato numa mitologia de grandes guerreiros contra a corrupção custou caro, institucionalmente, ao Brasil. Olhando a situação brasileira de uma perspectiva regional, esses custos ficam ainda mais evidentes.
A enxurrada da Lava Jato se prendeu no redemoinho do personalismo, com Moro, Deltan Dallagnol, Lula e outros como grandes heróis ou vilões (a ordem dos papéis varia conforme o gosto ideológico do freguês). E quando o combate à corrupção é uma luta entre virtuosos e degenerados, o cerne sempre são indivíduos, nunca as instituições.
Os resultados são trágicos: fomos incapazes de converter a pressão da Lava Jato em uma agenda de reformas institucionais. Várias das condições que levaram ao cartel das empreiteiras —sobretudo na relação entre dinheiro privado e política— se mantêm.
Foi dessa forma que o Brasil virou o país dos grandes guerreiros contra a corrupção, mas de sistemas eleitorais e partidários disfuncionais, péssimas leis de financiamento da política e quase nenhum controle sobre o lobby. Não precisava ter sido assim —basta olhar ao redor na América Latina.
Enquanto vivíamos a primeira fase da Lava Jato, o Chile teve três escândalos de corrupção. Dois envolviam redes de financiamento ilegal de políticos, e um pegou a família da então presidente Michelle Bachelet. Seu governo abraçou a agenda anticorrupção e criou uma comissão independente para analisar soluções.
Quando Bachelet deixou o poder, em 2018, o Congresso havia passado 13 reformas —de melhorias no financiamento da política a mecanismos contra tráfico de influência.
Claro, a escala da corrupção e o funcionamento da democracia no Chile são diferentes da realidade brasileira. Mas outros países também converteram escândalos em oportunidade de avanço institucional.
É essa a história atual da política peruana, por exemplo. Com parte do establishment político —incluindo quatro ex-presidentes— pega no escândalo da Odebrecht, o presidente Martín Vizcarra pôs em referendo quatro mudanças constitucionais, incluindo maior transparência ao Judiciário e novas regras a partidos. Levou 80% dos votos. Vizcarra agora pressiona o Congresso a passar uma reforma política.
Em escala menor, a Argentina acaba de aprovar uma boa lei de financiamento eleitoral, que valerá na disputa de outubro. A pressão pela mudança cresceu com o “escândalo dos cadernos”, que revelou como empresários subornavam membros do governo Cristina Kirchner em troca de contratos e favores (com uma mudança pela metade no financiamento de campanha, o Brasil ficou preso entre recursos públicos insuficientes e restrições a dinheiro privado, talvez elevando o risco de caixa dois).
Por que a Lava Jato não impulsionou um ciclo de avanços institucionais? Historiadores um dia terão respostas completas. Por enquanto, uma boa explicação liga dois pontos: a falta de liderança política e o colapso de grandes partidos, pegos na operação.
Os presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer nunca tiveram vontade, força ou capacidade política de liderar essas reformas.
Com Jair Bolsonaro, isso nem sequer está na agenda. Aos que apostam na polarização política, a visão de heróis e vilões é muito mais útil.
*Roberto Simon é diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard e em relações internacionais pela Unesp.
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