A intenção não é prejudicar empresas, mas atualizar sistemas de fiscalização e punição obsoletos
O projeto da lei das fake news, que começou ontem a tramitar na Câmara, depois de aprovado no Senado, pode criar um ambiente legal no país em que as redes sociais não sirvam mais de meio para se agredir impunemente direitos individuais consolidados na Constituição, e também deixem de ser uma zona de sombras em que crimes são cometidos e os responsáveis escapem da lei.
Há muitos interesses e dinheiro em jogo neste trabalho de regulação do tráfego de conteúdos pela internet, em andamento em muitos países. O grande e veloz crescimento de grupos como Google, Facebook, Amazon, Apple e respectivas subsidiárias, presentes de diversas formas na vida de bilhões de pessoas, mesmo sem elas saberem, impôs aos governos tratar deste assunto. Já existe no Brasil uma agenda neste sentido, da qual saiu, por exemplo, o Marco Civil da Internet. Agora, a questão é dar transparência à forma como as plataformas digitais operam e são utilizadas. É do que trata a lei das fake news.
Na tramitação no Senado, foram mapeados pontos sensíveis da nova legislação que, segundo alegações, ao permitir que sejam identificados autores e impulsionadores de conteúdos com finalidades criminosas, estariam invadindo privacidades e até coibindo a liberdade de expressão. Na primeira das dez audiências públicas programadas para a discussão do projeto na Câmara, realizada ontem, esta má compreensão das intenções da lei ressurgiu.
No fim de semana, o jornal “O Estado de S.Paulo” noticiou que na ONU e na OEA os relatores responsáveis pelos direitos à privacidade e à liberdade de expressão comunicaram formalmente ao governo brasileiro preocupações com o que consideram o risco de a lei das fake news contrariar acordos internacionais nestes dois campos.
Há uma atenção especial ao dispositivo do projeto que determina que mensagens enviadas algumas vezes por sistemas como o WhatsApp tenham seus metadados armazenados por três meses — não é o conteúdo do que foi transmitido, mas informações sobre quem enviou e quem recebeu, entre outros parâmetros. Poderão ser acessados apenas mediante ordem judicial.
Nada diferente do que acontece há anos com ligações telefônicas, no Brasil e no mundo. E não se questiona que a Justiça possa permitir o acesso a essas informações no curso de investigações. Está na Constituição, no artigo 5º, inciso XII, que o “sigilo da correspondência e das comunicações” é inviolável (...) “salvo, no último caso, por ordem judicial(...)”. Remete-se, então, a uma lei específica (nº 9.296/66). O projeto de lei das fake news apenas adota o conceito legal.
É necessário que se debata este projeto entendendo-se que é imperioso haver “paridade de armas” entre, de um lado, cidadãos e Estados nacionais, e, de outro, grandes plataformas digitais que tornaram obsoletos mecanismos legais de fiscalização e de punição de crimes. A intenção é modernizá-los, não criminalizar as empresas.
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