- Folha de S. Paulo
Penalizar ainda mais o desempregado neste momento é uma perversidade
Em recente entrevista à CNN Brasil, o ministro Paulo Guedes classificou os encargos sociais como os “impostos mais cruéis do Brasil”, fato reconhecido também por Jair Bolsonaro, que na campanha eleitoral “prometeu tirar essa pesada carga do cangote dos empresários”.
Por isso, recebi com surpresa o veto do presidente da República à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos até o fim de 2021, que consta da Medida Provisória 936 aprovada pelo Congresso Nacional. Mesmo porque a desoneração da folha foi acertadamente incluída pelo próprio governo na Medida Provisória 905 em 11 de novembro de 2019, ao propor o contrato verde e amarelo para estimular a geração de empregos formais. O Brasil detém um recorde nessa área. Os encargos sociais pesam 102,43% do salário —um empregado que ganha R$ 1.000 mensais custa para a empresa mais de R$ 2.020 por mês.
Diante de tanta convicção sobre o assunto, o governo terá de aceitar a derrubada do referido veto que, aliás, se mostra iminente. A sua manutenção, neste momento, seria um golpe de morte para as empresas e para os trabalhadores que vêm enfrentando uma recessão catastrófica provocada pelo coronavírus.
Outro golpe danoso contra os trabalhadores brasileiros é o veto no campo da participação nos lucros ou resultados, cuja simplificação também foi proposta pelo governo na Medida Provisória 905 e incorporada na MP 936. Com isso, os trabalhadores ficarão privados de um acréscimo de renda decorrente da negociação da PLR. Esse veto atinge em cheio milhões de brasileiros numa hora desesperadora, quando 80% dos trabalhadores vêm perdendo renda. A derrubada desse veto, como a anterior, será prova de humanismo.
Falando em humanismo, não deu para entender a conduta do governo ao vetar tantos benefícios quando todos os países do mundo estão fazendo um esforço hercúleo para ajudar os trabalhadores. No rol dos vetos está a maldosa proibição da concessão do auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores que receberam a última parcela do seguro desemprego. Ora, a grande maioria desses trabalhadores continua desocupada.
O mais grave problema dos dias atuais é conseguir emprego. Dados do Caged indicam que, no trimestre terminado em maio, para mais de 4,2 milhões de demissões houve apenas 2,7 milhões de admissões. Por que penalizar ainda mais o desempregado numa hora em que não há emprego para ele? É uma perversidade.
Por tudo isso, vejo como urgentíssima a revogação dos vetos do presidente da República nas matérias trabalhistas tratadas pela MP 936 e aplaudo a franqueza do ministro Paulo Guedes quando ele se diz disposto a incluir a questão dos encargos sociais na discussão da reforma tributária. É o meu “sonho de consumo”. Afinal, denuncio o exagero e a disfuncionalidade dos encargos sociais no Brasil desde a década de 1980. Por muito tempo, falei sozinho. Que bom que o assunto é de reconhecimento consensual nos dias atuais.
*José Pastore, Professor da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras. É presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP
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