Paulo Guedes deixou claro que Jair Bolsonaro tem escolha entre manter ou não o teto de gastos e a responsabilidade fiscal - e aparentemente já a fez
O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que sua equipe sofreu uma “debandada” com a saída dos secretários de Desestatização e Privatização, Salim Mattar, e de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel. Nos dicionários, “debandada” significa fuga em desabalada carreira. O ministro explicou do que afinal fugiram seus assessores: do “establishment”.
Paulo Guedes informou que Paulo Uebel deixou o governo porque a reforma administrativa foi adiada e que Salim Mattar saiu porque estava insatisfeito com o ritmo das privatizações: “O establishment não deixa”, disse o ministro.
O próprio Salim Mattar, em declarações sobre sua decisão, acusou o “establishment” de impedir que as estatais sejam vendidas e que o Estado seja reformado: “O establishment não quer a transformação do Estado. Não deseja a reforma administrativa. Não deseja a privatização. Se tiver privatização, acaba o toma lá dá cá. Acaba o rio de corrupção. O establishment deseja segurança de que as coisas vão continuar do jeito que estão”.
Nesses termos, é importante saber o que seria o tal “establishment”, responsável por tanto atraso. Salim Mattar explicou: “O establishment é o Judiciário, é o Executivo, é o Congresso, são os servidores públicos, os funcionários de estatais”. Ou seja, o “establishment”, tratado como barreira intransponível ao progresso, seria a estrutura estatal – burocrática, política e judicial – necessária para o funcionamento de um regime democrático.
Entende-se a frustração de quem chegou ao governo acreditando que os milhões de votos conferidos ao presidente Jair Bolsonaro fossem suficientes para que sua agenda de campanha fosse automaticamente implementada, sem necessidade de negociação de nenhuma espécie e até mesmo, em alguns casos, sem respeitar os ritos legais.
O problema é que a democracia não funciona assim. Na democracia, predomina a mobilização política na defesa de interesses os mais diversos no espaço público garantido pelas instituições republicanas. Cabe ao governo encontrar a melhor maneira de articular esses interesses para que o País avance, tendo como base a agenda vencedora da eleição majoritária.
O presidente Bolsonaro, no entanto, renunciou a esse papel. Passou boa parte do mandato a lavar as mãos sobre as discussões no Congresso, sem constituir uma base sólida e sem se envolver nos debates mais importantes. Ao contrário: em vários momentos, Bolsonaro prejudicou a tramitação de reformas, quase sempre no interesse de grupos de pressão de vocação estatista.
Em outras palavras, o “establishment” de que se queixam Paulo Guedes e seus agora ex-assessores tem em Bolsonaro seu mais legítimo representante. É muito difícil privatizar estatais e fazer reformas quando a resistência parte do próprio presidente da República – cuja conversão ao liberalismo, na campanha eleitoral de 2018, só enganou quem se deixou enganar.
A oposição à modernização do Estado pode ser vencida se houver genuína disposição de dialogar e de defender um projeto claro de País. O governo de Fernando Henrique Cardoso promoveu privatizações em larga escala, inclusive de “joias da coroa”, mesmo enfrentando um Congresso hostil. Hoje, ao contrário, o Congresso vem se mostrando favorável à agenda liberal – que só não avança mais porque o presidente não quer.
Em público, Bolsonaro diz, sem muita convicção, que continua comprometido com as privatizações e com a manutenção da responsabilidade fiscal, mas na prática nada faz para estimular as privatizações nem para desestimular ministros que sonham com o renascimento do desenvolvimentismo à custa do teto de gastos. A esse propósito, o ministro Paulo Guedes advertiu que “os conselheiros do presidente que o estão aconselhando a pular a cerca e furar o teto vão levá-lo para uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal” e que “o presidente sabe disso”. Assim, Paulo Guedes deixou claro que Bolsonaro tem escolha – e aparentemente já a fez, razão pela qual cinco integrantes da equipe econômica já jogaram a toalha.
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