- Folha de S. Paulo
Nomeação de capitão da PM para área cultural mostra como governo vê o setor
Depois das cenas protagonizadas por um secretário de Cultura encarnando Goebbels, o ministro nazista, substituído por atriz histérica a defender a tortura, o tratamento que a cultura vem recebendo do governo aparece agora em imagem nítida e sem retoques. Cultura virou, oficialmente, caso de polícia. Com o capitão da PM baiana André Porciúncula Esteves nomeado secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, ficou evidente o tipo de atenção que nossas manifestações culturais vêm recebendo.
Cinema, teatro, música e artes visuais passam a depender do novo secretário para controlar a corda que os estrangula. Cinema que vem recebendo prêmios e criando filmes como o antológico "Bacurau"; artes cênicas e visuais que se reinventam com exposições virtuais e peças criadas no isolamento. E a música, ah!, a música! O que seria de nós sem as lives de artistas que reúnem amigos distantes e mobilizam o afeto de todo um país?
Quanto aos livros, deles se encarrega Paulo Guedes, a garantir com seu escandaloso elitismo que pobres não precisam de livro. Querem livros? Comprem na Amazon.
Sem política de leitura, que não havia de ser o ministro da Educação a se preocupar com isso, a produção e circulação do livro no Brasil está seriamente ameaçada. Com a possibilidade de novos tributos, editoras e livrarias não vêm como se manter. Perdem os que editam livros e os que teimam em manter o antigo hábito.
Também aqui há coerência. Afinal, se intelectuais e professores que defendem um pacto antifascista são vistos como inimigos listados em dossiês policiais, não faz sentido publicar livros. Complicado para esses novos vilões será explicar em suas aulas de que modo ser antifascista tornou-se, numa democracia, ameaçador.
E com ciência, arte e cultura sob suspeição, seguimos curvados sob o peso de mais de 100 mil mortos.
*Beatriz Resende, ensaísta e professora de literatura na UFRJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário