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Às vésperas dos 100 mil mortos pelo Covid-19
Com a delicadeza que marca seus gestos e palavras, e a
capacidade lendária de pôr-se no lugar dos outros, o presidente Jair Bolsonaro,
na véspera de o Brasil ultrapassar a marca de 100 mil vítimas fatais do
Covid-19, abriu sua live semanal no Facebook falando a respeito do 75º
aniversário da explosão da bomba atômica que matou mais de 90 mil japoneses em
Hiroshima.
Em seguida, perguntou ao ministro da Saúde, general Eduardo
Pazuello, que estava ao seu lado, o que um país que deseje a paz deveria fazer.
Pazuello, especialista em logística, que outro dia escolheu uma amiga que não
entende de gestão pública nem de saúde para representar o ministério em
Pernambuco, respondeu como se tivesse ensaiado a cena: “Prepare-se para a
guerra”.
Desta vez até Bolsonaro pareceu surpreso com o que ouviu, mas
não passou recibo. Voltou mais adiante ao assunto com uma caixa de cloroquina
na mesa à sua frente, e declarou sem disfarçar o esforço de mostrar-se
compungido: “Lamento a todas as mortes, já tá chegando nos 100.000, talvez
hoje. Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”.
Ao que Pazuello observou com naturalidade que o Covid-19 deve
ser comparado com o HIV, e que é preciso adaptar-se a ele. “O HIV continua
existindo, e a maioria se trata”, resumiu. “É vida que segue”. Horas antes, no
Palácio do Planalto, Bolsonaro havia garantido: “Junto com os meios que temos,
temos como realmente dizer que fizemos o possível e o impossível para salvar
vidas”.
E assim transcorreu mais um dia em Brasília, aonde a paz da
República não chegou a ser abalada nem mesmo pela notícia de que 8,9 milhões de
brasileiros perderam o trabalho nos primeiros três meses de pandemia. A taxa de
desemprego chegou a 13,3%. E os pessimistas de plantão, que sempre torcem pelo
pior, calculam que poderá bater a casa dos 20% no fim do ano. Toc, toc, troc!
Se isso acontecer, Bolsonaro tirará de letra. Desde o início da
pandemia, quando ainda apostava que o número de mortos não passaria de mil, ele
repete que se alguém for culpado pelo recuo da economia serão os prefeitos e
governadores que obrigaram as pessoas a ficarem em casa. Ele é inocente desse
crime. Foi contra o isolamento e o uso de máscaras. Sua consciência está
tranquila.
Mendonça nega-se a mandar para o STF
dossiê de espionagem
A não ser que o Supremo Tribunal
Federal entube mais essa, a decisão do ministro André Mendonça, da Justiça, de
negar-se a obedecer à ordem da ministra Carmen Lúcia de lhe enviar o dossiê
montado pela Secretaria de Operações Integradas sobre servidores federais que
se declararam antifascistas poderá detonar uma nova crise entre os poderes
Executivo e Judiciário.
Nas
últimas duas semanas, Mendonça negou que houvesse dossiê, depois admitiu sua
existência, mas afirmou que o desconhecia, abriu uma sindicância para apurar
tudo e, por fim, demitiu o coronel reformado do Exército que dirigia o setor de
inteligência da dita Secretaria. Ali, o dossiê foi montado. Ora, se não havia
dossiê, se nada de errado aconteceu, por que a demissão?
O
que Mendonça se recusa a chamar de dossiê, por outro nome não deve ser chamado.
É um conjunto de papéis com nomes dos quase 600 servidores federais, e mais
alguns que nem servidores são, fotografias da maioria deles, dados pessoais e
informes sobre suas atividades acompanhadas por arapongas da Secretaria. Em
resumo: informações colhidas por espiões da vida alheia.
A
propósito, Mendonça havia dito que no Estado de Direito democrático nenhum
grupo de pessoas pode ser monitorado por pensar ou agir assim ou assado, desde
que respeitem as leis e não ameacem a segurança pública. Agora, ao negar-se a
cumprir a ordem da ministra, diz que nem mesmo o poder Judiciário tem o direito
de acesso a determinadas informações sigilosas.
Quem decide se o Judiciário tem ou não esse direito é o Judiciário. Não é o governo. É dele a última palavra como intérprete que é da Constituição. O Supremo saberá lidar com informações sensíveis que possam pôr em risco a segurança do Estado. Cabe a Mendonça obedecer à ordem que recebeu sem fazer marolas só para agradar ao seu chefe e ganhar uma vaga de ministro do Supremo.
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