- O Globo
A certeza de que será decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a parcialidade de Sérgio Moro como juiz nos processos que condenaram o ex-presidente Lula é tamanha que ele ontem se lançou candidato à presidência da República em 2022. Colocou-se “à disposição do povo”. Desmentindo, assim, que o PT pudesse ter outro candidato, como insinuou recentemente.
O pronunciamento de ontem, e alguns movimentos anteriores, são sinais de que Lula tenta se reaproximar da esquerda, que já tem dois candidatos colocados: Ciro Gomes, pelo PDT; e Flavio Dino, do PCdoB. Há quem veja até possibilidade de Lula vir a repetir Cristina Kirchner, e apresentar-se como vice de uma chapa de esquerda. Difícil acreditar numa manobra dessas, pois tanto Ciro quanto Dino têm peso político próprio.
Quem aceitou ser vice de Lula foi Brizola e, depois da derrota para Fernando Henrique em 1998, nunca mais se aprumou na política. Moro, por sua vez, reluta em assumir uma candidatura que, pelas pesquisas recentes, é no momento a que mais competitiva se mostra diante do presidente Bolsonaro, fortalecido nos últimos meses depois que pagou o auxílio emergencial a milhões de brasileiros na pandemia.
Um programa social turbinado gerando os mesmos efeitos que Bolsonaro criticava quando o PT lançou o Bolsa-Família. Moro e os procuradores da Lava-Jato estão cercados de adversários pelos diversos lados do espectro político, dependendo de decisões judiciais para vislumbrar o futuro.
Dallagnol já deixou a coordenação da força-tarefa de Curitiba por questões de doença na família, mas mesmo assim deu-se um jeito de voltar a julgá-lo por uma acusação de que já foi liberado pelo próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Nada deve acontecer além de uma advertência, que poderá ser questionada em recurso, mas a obstinação de seguir com o processo, mesmo depois que o ministro Celso de Mello suspendeu os procedimentos administrativos contra ele no CNMP, mostra que seus adversários não darão trégua enquanto não o neutralizarem politicamente.
Tendo o novo coordenador da Lava-Jato, o procurador Alessandro Oliveira, como âncora, os procuradores gravaram áudio defendendo a liberdade de expressão, que estaria ameaçada pela perseguição sofrida por Dallagnol. Com Sérgio Moro acontece a mesma coisa. A comprovação da parcialidade dele nos processos contra Lula seria, segundo a defesa de Lula, ter aceitado ir para o ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro.
Uma acusação frágil, pois só existem ilações, e não provas, de que Moro já pensava em ir para o governo antes de Bolsonaro ser eleito, e por isso teria condenado Lula. Bastaria saber que o ex-presidente só se tornou inelegível depois de ter sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF-4) para desmistificar essa acusação.
Agora, então, que Moro deixou o governo e tornou-se inimigo de Bolsonaro, o ataque persiste porque é preciso desmoralizar a Lava-Jato, e especialmente Moro, anulando suas condenações. Lula ser candidato é um efeito colateral que essas alianças circunstanciais provocam. Assim como Lula não se tornou ficha-suja devido a um complô que uniu todo o Judiciário com o objetivo de impedi-lo de se candidatar, mas simplesmente porque foi condenado em segunda instância, e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O fato é que a Lava-Jato hoje une contra si o PT, o PSDB, Bolsonaro, o Centrão, empresários, e todos os que se beneficiam de sua desmoralização para continuarem impunes. Decretada a parcialidade de Moro contra Lula, todos os demais condenados na Lava-Jato pedirão revisão de seus processos. Voltaremos ao velho sistema político que preserva o status quo, tempos em que era hábito o STF não condenar nenhum político ou empresário famoso.
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