Discurso provocou panelaços de opositores em cidades como Rio, São Paulo e Brasília
Renato Machado, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro declarou em cadeia de rádio e televisão nesta segunda-feira (7) que defende a democracia, mas voltou a exaltar o golpe de 1964 que deu início à ditadura militar. Em meio ao pronunciamento, foram registrados panelaços contra o presidente em capitais como São Paulo, Rio e Brasília.
“Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”, disse o presidente.
As declarações foram dadas em rede de rádio e TV, por ocasião das comemorações do Dia da Independência do Brasil.
Ainda no pronunciamento, o presidente declarou se comprometer com os valores constitucionais e com a democracia.
“No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como presidente da República, meu amor à pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso país jamais abrirá mão."
Bolsonaro adotou um tom nacionalista, exaltando a formação do povo brasileiro e feitos militares. Em seu discurso, resgatou uma visão histórica idealizada, que recebe muitas críticas atualmente e é considerada ultrapassada pelos acadêmicos. Essa vertente exalta a miscigenação ocorrida no Brasil, como se ela tivesse se desenvolvido de forma harmônica, sem conflitos e valorizando todos os povos.
“Religiões, crenças, comportamentos e visões eram assimilados e respeitados”, disse o presidente, ignorando, entre outros fatos, a catequização dos índios.
“O Brasil desenvolveu o senso de tolerância, os diferentes tornavam-se iguais. O legado dessa mistura é um conjunto de preciosidades culturais, étnicas e religiosas, que foram integradas aos costumes nacionais e orgulhosamente assumidas como brasileiras”, completou.
Ao comentar as ações dos anos 1960, o presidente declarou que o sangue brasileiro “sempre foi derramado por liberdade” e que “vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre”.
O presidente, ex-capitão do Exército e cujo governo conta com militares em diversos cargos de primeiro escalão, exaltou as guerras travadas no século 19, assim como a participação do país na Segunda Guerra Mundial, derrotando o nazismo e o fascismo.
Assim como no ano passado havia pedido para que participantes dos desfiles cívicos vestissem verde e amarelo, Bolsonaro buscou despertar nacionalismo na população e disse que a Independência merece ser comemorada “nos nossos lares e em nossos corações”.
“Somos uma nação temente a Deus, que respeita a família e que ama sua Pátria”, afirmou o presidente, antes de concluir dizendo que tem orgulho de ser brasileiro.
O regime militar, encerrado em 1985, adotou a tortura e o assassinato como políticas de estado, cassou opositores, cerceou os demais Poderes e censurou a imprensa. Foram mais de 400 mortos e desaparecidos ao longo de seus 21 anos, além de milhares de presos torturados.
Em junho, pesquisa do Datafolha mostrou que 62% dos entrevistados consideram que o regime deixou mais realizações negativas do que positivas. Apenas 10% disseram que uma ditadura é aceitável "em algumas ocasiões".
Neste ano, a cerimônia de Sete de Setembro foi realizada em frente ao Palácio do Alvorada e foi mais enxuta que a de 2019, por conta da pandemia do novo coronavírus.
A parada militar do Dia da Independência havia sido cancelada pelo Ministério da Defesa no início de agosto, quando portaria do ministro Fernando Azevedo orientou as Forças Armadas a se absterem de participar de “quaisquer eventos comemorativos”.
O objetivo era evitar aglomerações, em um momento em que o Brasil ainda sofre os efeitos da pandemia.
Segundo o Palácio do Planalto, o evento reuniu de 1.000 a 2.000 apoiadores, números inferiores aos cerca de 30 mil do ano passado, quando as comemorações foram na Esplanada dos Ministérios.
No ano passado, o presidente não realizou pronunciamentos em rádio e televisão. Em um vídeo distribuído pela Secom, atacou adversários. “A independência de nada vale se não tivermos liberdade. Esta, por tantas e tantas vezes, ameaçada por brasileiros que não têm outro propósito a não ser o poder pelo poder”.
O presidente havia aproveitado a cerimônia para fazer um gesto público de apoio ao então ministro Sergio Moro (Justiça), desfilando abraçado a ele. Bolsonaro havia causado constrangimento ao ex-juiz ao sinalizar a troca no comando da Polícia Federal. O tema retornou neste ano e, em abril, Moro pediu demissão e acusou o chefe do Executivo de interferência política na PF.
O governo federal também havia adotado o slogan “Vamos valorizar o que é nosso”, em um contexto de críticas internacionais por conta das queimadas na Amazônia.
Antes do evento, Bolsonaro havia tuitado uma foto ao lado de Silvio Santos (SBT) e do bispo Edir Macedo (Universal e dono da Record TV), seus convidados especiais. No ano passado, mesmo diante de uma crise fiscal, Bolsonaro aumentou o desembolso para promover a cerimônia cívica.
O contrato assinado pela gestão pública para a montagem e organização da cerimônia militar previa um custo de R$ 971,5 mil, 15% mais do que no ano anterior, em valores corrigidos pela inflação (IPCA). A Secom foi procurada, mas não informou o valor gasto com a cerimônia deste ano.
Neste ano, a mudança no formato e dimensões não evitou aglomerações. O ato de 16 minutos de duração fez as pessoas, muitas delas sem máscara, se amontoarem para chegar perto do presidente Jair Bolsonaro, da primeira-dama, Michelle, e de ministros.
A primeira-dama se dirigiu até o público para apertar as mãos de apoiadores. À medida que ela se deslocava, dois servidores passavam oferecendo álcool em gel à plateia. Michelle ouviu gritos de "mita", em alusão ao apelido do marido.
Filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) se aproximou de máscara, mas tirou o equipamento de proteção para fazer selfies com eleitores. O senador e Michelle são personagens do suposto esquema de "rachadinha" envolvendo Fabrício Queiroz, amigo do presidente e ex-assessor de Flávio.
Bolsonaro chegou no no Rolls Royce presidencial com crianças que, em sua maioria, estavam sem máscara, assim como o presidente. De acordo com a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), eram filhos de autoridades e convidados.
Também participaram da cerimônia comandantes das Forças Armadas e ministros do atual governo. Alguns deles, como Paulo Guedes (Economia), foram exaltados pelo público presente.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, chegou sem ser notado pelo público. Mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi vaiado ao sair do carro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mais uma vez não participou. Maia vive uma relação tensa com Bolsonaro e deu sinais de rompimento com Paulo Guedes.
Após o evento, Bolsonaro participou de almoço com Toffoli e demais ministros na residência do secretário especial de Assuntos Estratégicos, o almirante Flávio Rocha.
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