- O Estado de S.Paulo
PND e END respondem aos novos desafios de um mundo em rápida transformação...?
Depois de pouco mais de 30 anos, o mundo volta à era de competição entre superpotências, com o declínio da dominação dos EUA e o crescimento tecnológico, comercial e militar da China. Como evitar que a crise entre os EUA e a China seja transplantada para a América do Sul e interfira no interesse nacional? Como o Brasil deveria tomar posição, em termos de defesa, em seu entorno geográfico e área de influência? Qual seria o papel do Brasil como uma das dez maiores economias do mundo, a quinta em território e a sexta em população? Como enfrentar o déficit de inovação tecnológica em face da rápida obsolescência dos equipamentos militares e dos projetos especiais das três Forças?
Os documentos Política (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END) procuram responder aos desafios percebidos pelo atual governo e mostrar, em linhas gerais, o planejamento das prioridades para a defesa do País. Voltados prioritariamente para ameaças externas, eles estabelecem objetivos para o preparo e o emprego de todas as expressões do poder nacional.
Os objetivos gerais mencionados na PND são: garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; assegurar a capacidade de defesa para o cumprimento das missões constitucionais das Forças Armadas; promover a autonomia tecnológica e produtiva na área de defesa; preservar a coesão e a unidade nacionais; salvaguardar as pessoas, os bens, os recursos e os interesses nacionais situados no exterior; ampliar o envolvimento da sociedade brasileira nos assuntos de defesa nacional; contribuir para a estabilidade regional e para a paz e a segurança internacionais; incrementar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua inserção em processos decisórios internacionais.
A END, por sua vez, orienta os segmentos do Estado brasileiro quanto às estratégias e medidas que devem ser implementadas para que esses objetivos sejam alcançados. Trata das bases sobre as quais deve estar estruturada a defesa do País, assim como indica as articulações que deverão ser conduzidas, no âmbito de todas as instâncias dos três Poderes, e da interação dos diversos escalões condutores dessas ações com os segmentos não governamentais.
Os documentos apresentados ao Congresso Nacional para exame e deliberação respondem aos novos desafios de um mundo em rápida transformação e à perda de protagonismo no entorno estratégico? É importante ressaltar, de inicio, a dificuldade de examinar essa matéria, pela falta de uma cultura de defesa e pelo fato de os objetivos nacionais carecerem de uma grande estratégia, com visão de médio e longo prazos. Além disso, em tempos de paz, sem ameaça de conflito plausível e iminente, qual deveria ser a atividade principal da Defesa: preparação para operação de combate ou melhoria da logística de defesa para aumentar sua capacidade de dissuasão?
A área de influência do Brasil, como definido na PND, abrange América do Sul, Antártida e Oceano Atlântico até a costa ocidental da África. A referência à integração regional amplia o entorno por incluir a América Central e a América do Norte. Não há referência nos documentos às consequências para o Brasil do fim do Conselho de Defesa, com o desaparecimento da Unasul, nem ao status de aliado estratégico dos EUA extra-Otan, tendo em mente as restrições do Brasil à nova doutrina dessa organização, que ampliou sua atuação para o Atlântico Sul. Nem aos objetivos da designação de oficial-general para o Comando do Sul, com sede em Miami.
As rápidas transformações tecnológicas exigem um esforço para estimular a Base Industrial de Defesa a pesquisar para complementar as aquisições externas. As três áreas ressaltadas na END (cibernética, energia nuclear e espaço) deveriam merecer estímulos, como ocorre nos EUA e na Otan, para que a produção nacional supere as vulnerabilidades cada vez maiores de nossos materiais bélicos e responda aos novos desafios de inteligência artificial. A política de defesa deve nortear a política militar. As políticas de defesa e militar deveriam enquadrar-se dentro de uma política mais ampla: a política externa, que define o lugar do Brasil no mundo.
O documento menciona diversas vezes a criação de uma carreira civil, como a de analista, por exemplo, no Ministério da Defesa, mas até agora não se levou adiante essa política, que iria arejar a discussão hoje restrita ao meio militar das três Forças. Nessa mesma linha, a criação de um Centro de Defesa e Segurança, iniciativa do então ministro Raul Jungmann, anunciada recentemente, deverá trazer contribuição importante para o debate sobre os temas de defesa e de segurança nacional.
Por sua importância, a PND e a END deveriam ser elaboradas por um conselho de alto nível integrado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e por representantes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Itamaraty. O resultado deveria ser amplamente debatido pelo Congresso Nacional – ao contrário do que vem ocorrendo desde 1996, quando foram apresentados pela primeira vez – e por think tanks da sociedade civil que examinassem as prioridades para a defesa e os meios para alcançá-las.
*Presidente do IRICE
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