Excessos da Lava Jato não justificam atrelar a Procuradoria ao poder político
Da onda de operações anticorrupção representadas sob a rubrica da Lava Jato, pode-se dizer que conheceu o seu apogeu entre 2015 e 2018 e depois entrou em derrocada. A debandada de procuradores identificados com algumas dessas investigações, nos últimos dias, assinala essa trajetória descendente.
Deltan Dallagnol, alegando razões pessoais, deixou o comando da Lava Jato, no Paraná. Todos os oito procuradores da República integrantes da versão paulista da operação renunciaram à incumbência, manifestando contrariedade com uma colega responsável pela distribuição dos casos.
Em Brasília, pediu afastamento Anselmo Lopes, principal investigador da operação Greenfield, que apura suspeitas de corrupção envolvendo bancos e fundos de pensão. Responsabilizou pela decisão a falta de apoio do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Embora negue a intenção de sufocar as forças-tarefas, Aras integra o time de autoridades que, há dois anos, obriga o lavajatismo a recuar. O presidente Jair Bolsonaro, de quem o chefe do Ministério Público parece aliado, políticos de vários partidos e membros do Judiciário reforçam a aliança informal contra os legatários de Curitiba.
Boa parte dessa reação não se reveste de virtuosismo republicano. Muito pelo contrário, vários desses personagens recorrem a todos os subterfúgios para não prestar as devidas contas de seus atos.
Mas seria um erro deixar de admitir que os adversários da Lava Jato aproveitam-se das vulnerabilidades produzidas pela operação e suas congêneres ao longo dos anos.
De viés messiânico e voluntarista, abusaram da leitura heterodoxa das leis penais e da licenciosidade na conduta, como revelaram reportagens do site The Intercept Brasil e desta Folha com base em conversas trocadas por investigadores e o então juiz federal Sergio Moro.
O pior dos mundos, porém, seria substituir uma anomalia pelo seu reverso. Um Ministério Público atomizado, descontrolado e imprevisível é ruim. Amordaçado e submetido ao poder político, transforma-se num cadáver institucional.
No meio desses dois extremos corre o caminho de reformas para melhorar a capacidade de procuradores e promotores de cumprirem seu papel de guardiões da lei. O corporativismo precisa ceder espaço à responsabilização de quem se desvia da conduta regular. O espírito dos solistas, dos justiceiros e dos vingadores deve dar lugar à construção coletiva dos entendimentos, para que a sociedade saiba o que esperar do órgão acusador.
O risco do atrelamento da Procuradoria-Geral da República ao Palácio do Planalto tem de ser diligentemente anulado por regras que desestimulem esse beijo da morte.
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