Profissionais
não podem reclamar quando permitem que amadores mandem na política externa
O
Brasil não é participante relevante de nenhum agudo conflito internacional,
seja ele de fronteiras, geopolítico, étnico, religioso ou comercial (estamos
ensaiando um na questão ambiental). Por um lado, não deixa de ser uma bênção:
nenhuma família brasileira vai dormir preocupada se um integrante seu estará na
linha de fogo de algum confronto internacional – a não ser que se considerem
como “internacional” as balas perdidas em comunidades controladas pelo
narcotráfico e milícias.
Por
outro, é uma espécie de “maldição”. A nossa distância dos grandes conflitos
ajuda a entender o estado de “anestesia” pelo qual a sociedade brasileira contempla
confrontos internacionais. É uma espécie de mentalidade de “isolamento
esplêndido”, dado nosso tamanho e posição geográfica, que nos tira o senso de
urgência ou de “ameaça” de problemas vindos de fora. Política externa é um
assunto para especialistas, e de escasso apelo ao grande público e só em
circunstâncias excepcionais – não é parte relevante de campanhas eleitorais.
Foi preciso que no caso da vitória de Joe Biden a política externa brasileira, entregue por Jair Bolsonaro a uma desastrosa mescla de diletantes amadores e profissionais ideologizados, produzisse uma incomparável vergonha internacional para que o Senado humilhasse o Itamaraty e declarasse que o rei está nu. E que assim pelado fosse “para o inferno”, conforme as palavras do senador Major Olímpio dirigidas ao chanceler Ernesto Araujo.
A
mistura de soberba com ignorância dos que formularam as posturas externas no
governo Bolsonaro não permitiria mesmo prever nada diferente dos atuais
resultados, mas o problema é mais grave. Integram os círculos palacianos
militares com passagens por excelentes instituições de ensino (como as
academias e escolas de Estado Maior), com formação profissional em relações
internacionais, segurança e estratégia, e com experiência pessoal direta em
confrontos lá fora, inclusive militares (como as missões de paz em vários
países).
Sabe-se
por relatos e conversas pessoais que esses profissionais desprezam o amadorismo
e a estupidez dos conselhos dados ao presidente pelas figuras nas quais confia
em matéria de assuntos internacionais, à testa delas um de seus filhos.
Lamentam abertamente os disparates do ministro das Relações Exteriores, tido
nesses círculos como figura patética, e o fato de que energias políticas
preciosas são gastas apenas para minimizar danos (como no caso da política
comercial com a China).
Nesse
caso os militares são vítimas da própria formação e do respeito à hierarquia.
Não há nada mais difícil para um fardado do que rebelar-se contra um chefe,
mesmo achando que está produzindo besteiras (como é o caso atual). Ocorre que é
tênue e, para quem está envolvido nas decisões, difícil de ser identificada a
linha que separa “lealdade” e “cumprimento da missão” da cumplicidade com a
irresponsabilidade com que são tratados os interesses da Nação.
Os
danos causados ao País pela política externa de Bolsonaro são graves em várias
áreas e as consequências de isolamento, de ser “pária” internacional (do qual,
espantosamente, se orgulha o chefe do Itamaraty) estão apenas no início – e
isto não se refere apenas à derrota de Trump. Se é que admitem que a reputação
das instituições às quais pertencem também estão sendo arranhadas, esses
oficiais ou ex-oficiais nos círculos de decisões relevantes preferem permanecer
quietos.
Mais um caso na longa galeria de militares profissionais que, ao se calarem, consentem.
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