A
crise está exposta, inflamada pelo Palácio do Planalto. E quanto antes ela for
efetivamente enfrentada, melhor.
A
situação nacional chegou a tal ponto de absurdo e incompetência governamental
que deveria estar pondo em alerta todas as forças responsáveis do País, dos
partidos e movimentos às instituições, das Forças Armadas ao Poder Judiciário e
ao Congresso. Ultrapassamos as barreiras do razoável, do suportável, e não há
qualquer indício de que o atual governo vá mudar de orientação e de
qualificação: continuará a agir com os olhos nos seus, de costas para a
sociedade como um todo, seja ela entendida pela ótica dos interesses mais
poderosos, seja a dos setores mais desfavorecidos, que formam a maioria do
povo.
A opção pelo impeachment não é uma opção pelo confronto ou pela ruptura, mas pela salvação nacional, pela convergência política das maiorias, pela serenidade, pelo bom-senso. É algo para evitar que caiamos de vez no precipício. O País não aguentará mais dois anos de desgoverno. Se nada for feito, chegará ao fim de 2022 em pandarecos, perdendo quase tudo de positivo que conseguiu acumular nas últimas décadas. Falo das políticas sociais, dos direitos, da política educacional e ambiental, mas também da pujança econômica e do posicionamento no cenário internacional como potência média.
Tudo
isso está sendo destroçado, dia após dia. Manaus é a ponte do iceberg. Um horror,
que provoca espanto e incredulidade: como conseguimos chegar a esse ponto?
Estamos nos afogando em uma chuva de lágrimas.
É
impossível projetar o que acontecerá se houver uma troca de presidente. Mesmo
que uma coalizão bem ajustada viabilize o impeachment, é difícil saber quanto
tempo será necessário para que se recupere o País. Tudo dependerá da composição
técnico-política do novo governo e da capacidade de sustentação que conseguir
obter, na sociedade e no Congresso. Ele precisará contar com boa vontade e
desprendimento, recursos difíceis de encontrar numa classe política viciada em
cálculos eleitorais, cheia de ressentimentos e desejos de vingança.
Basta
olhar o modo como estão sendo conduzidos os entendimentos em torno das
presidências da Câmara e do Senado para ver incoerências e mesquinharia
saltando por todos os poros. O apoio do PT e do PDT ao candidato do DEM no
Senado é luminoso: partidos tidos como de esquerda renegam a combativa senadora
Simone Tebet, do MDB, para ficar com a candidatura governista sem que se
consiga conhecer as razões de uma opção tão estapafúrdia. Dizem que é para
demarcar distância das posições pró- Lava Jato da senadora, dizem que é para
não fortalecer demais o MDB. E daí que Rodrigo Pacheco é apoiado pelo
bolsonarismo? Constrangedor, para dizer o mínimo.
É
uma situação que indica as dificuldades que surgirão quando se pensar em
articular uma candidatura competitiva para 2022.
Até
por isso, a proposta de impeachment pode funcionar como um bálsamo para nossas
oposições sem alma e sem direção. Pode ajudá-las a encontrar um rumo,
energizá-las e reaproximá-las da população. Se não foram até agora competentes
para confrontar um governo flagrantemente regressista e relapso, quem sabe não
acordam?
Esse
é o ponto secundário, mas não pouco importante. Chega a intrigar que ninguém
tenha ameaçado iniciar um impeachment. Por muito menos Dilma e Collor receberam
o impedimento. A explicação pode passar pelo “medo à crise”, pelo “foco na
pandemia”, mas no fundo só se explica pela falta de coragem e maturidade
democrática.
O
principal argumento em favor do impeachment é mais que político: é resgatar a
saúde da Nação. No sentido literal e no figurado. A pandemia aumentou e a
vacinação exibe tamanha taxa de desencontros e incúria que não consegue nem
sequer piscar como uma luz no fim do túnel. A Saúde Pública precisa ser salva.
E o País precisa de medidas urgentes para recuperar minimamente suas forças,
seu vigor e sua sanidade.
Estamos
a assistir um ciclo de desmandos e incompetência jamais visto em nossa
história. Não é razoável achar que isso deva prosseguir para que se evite o
espocar de uma crise institucional. Quem tem olhos para ver não terá
dificuldade alguma para constatar que a crise está aí, inflamada pelo Palácio
do Planalto. E quanto antes ela for efetivamente enfrentada, melhor.
Para que se ponha na mesa um processo de impeachment alguém precisa colocar o guiso no gato. Começar uma campanha, cujo mote é simples: “Basta!”
*Marco Aurélio Nogueira, cientista político, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista
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