Com esta coluna encerro minha colaboração com a Folha.
Tentei
aproveitar o espaço para comentar a agenda política nacional de duas
perspectivas diferentes: como observador de esquerda independente e como
estudioso da polarização política e das mídias sociais.
Como
investigador que acompanha a literatura acadêmica, aproveitei o espaço para
divulgar estudos que poderiam interessar a um público mais amplo, como o livro
de Paolo
Gerbaudo ("The mask and the flag") sobre os movimentos
sociais dos anos 2011-2013, o livro de Farris e
Benkler ("Network propaganda") sobre a segmentação do público leitor
nas mídias sociais ou a etnografia de
Arlie Hoschschild ("Strangers in their own land") sobre a nova
direita americana.
A investigação que coordeno na USP com Marcio Moretto, observando o comportamento nas mídias sociais e medindo a opinião do público em manifestações de rua, permitiu constatar (com perplexidade) o apoio ativo à reforma da Previdência, a desconexão da esquerda de certas posições populares e os impactos do bolsonarismo na expansão da Covid.
Como
comentarista político, busquei exercitar a independência dissociando meus
juízos políticos da minha identidade de esquerda.
A
polarização política tem produzido uma espécie de hipertrofia das identidades
sociais políticas como ser "de esquerda", "feminista",
"patriota" ou "conservador". Essas identidades passaram a
ser ardorosamente partilhadas por um público mais amplo, muito além dos
círculos ativistas, gerando uma dinâmica relacional destrutiva que é pouco
apoiada em divergências substantivas.
Por esse motivo, busquei conscientemente me afastar das minhas próprias identidades políticas que eram fruto de uma longa trajetória de envolvimento com os movimentos sociais autônomos e a contracultura.
Em vez de estimular o ardor esquerdista, produzindo indignação, de um lado, e
coesão com o grupo, de outro, busquei discutir as questões políticas de maneira
independente, sendo bastante crítico com a esquerda parlamentar quando me
pareceu necessário.
Num
contexto de polarização, nossa responsabilidade política principal é a de
criticar o próprio campo, já que o adversário jamais nos dará ouvidos. Isso me
levou a polêmicas no jornal sobre o fascismo, argumentos fiscais
e o stalinismo.
Gostaria
de sublinhar que a Folha me proporcionou a mais completa liberdade editorial,
mesmo quando exerci um contraponto às posições do jornal, defendendo a expansão
do gasto social e uma maior regulação do Estado.
Agradeço
ao jornal e aos seus leitores por esses três anos de reflexão.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
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