É
melhor Bolsonaro arranjar vacina do que depois tentar ‘arranjar’ voto, como
Trump
O
último ato (espera-se) de Donald Trump na presidência da
maior potência do planeta mostra um homem desesperado, desarticulado e fora da
realidade, falando frases desconexas e ameaçadoras que configuram um atentado
criminoso e imoral às instituições. Trata-se, claro, da pressão de Trump para
que o secretário de Estado
da Geórgia “arranjasse” uns votos para reverter a derrota dele para Joe Biden.
É
inacreditável, tão inacreditável quanto um tipo dessa natureza ter sido eleito
nos Estados Unidos,
ter presidido o país por quatro anos e conseguido 74 milhões de votos ao tentar
a reeleição em 2020. Apesar da derrota e de Trump ter sido o primeiro
presidente não reeleito desde 1992, é uma quantidade de votos incrível para um
presidente tão absurdo. Ou melhor, uma pessoa tão absurda.
É um alívio o manifesto de dez ex-secretários de Defesa, em governos democratas e republicanos, defendendo o resultado eleitoral e desautorizando membros das Forças Armadas a reforçar a cruzada de Trump contra a vitória de Joe Biden: “Oficiais civis e militares que realizarem tais medidas (interferência eleitoral) podem ser punidos, incluindo de forma criminal, pelas graves consequências de suas ações em nossa república”, afirma o texto, após Trump encher o Pentágono de aliados no apagar das luzes.
A
reação a esses atos de Trump, barulhenta, serve de alerta inclusive no Brasil,
onde o presidente Jair Bolsonaro bombardeia as
pesquisas que não sejam a seu favor, acusa as eleições (até a dele) de
fraudulentas e faz campanha a favor da cédula de papel e contra a urna
eletrônica, assim como faz a favor da cloroquina e contra as vacinas. Contra o
futuro.
Bolsonaristas
ameaçavam melar a eleição de 2018 se ele não vencesse, ele próprio, já
vitorioso, falou em fraude e generais reforçaram a descrença em pesquisas,
eleições, urnas eletrônicas, mas ex-ministros da Defesa do Brasil também já
lançaram manifesto: “Qualquer apelo e estímulo às instituições armadas para a
quebra da legalidade democrática – oriundos de grupos desorientados – (...)
constituem afronta inaceitável ao papel constitucional de Marinha, Exército e
Aeronáutica, sob a coordenação da Defesa.”
Também
já se uniram ex-ministros de Relações Exteriores, Meio Ambiente, Educação e
Cultura, rechaçando o desmanche de suas áreas. Falta a manifestação em massa de
ex-ministros e autoridades da saúde por seriedade, planejamento e negociação de
vacinas de diferentes procedências, seringas, agulhas e frascos. E pelo cuidado
de testes jogados por aí.
Trump
e Bolsonaro são negacionistas, desdenharam da “gripezinha”, combateram o
isolamento social, fizeram propaganda da cloroquina e pegaram a covid-19. Analistas da cena americana
atribuem a derrota de Trump muito aos erros na pandemia. Bolsonaro continua
jogando, nadando, sorrindo, provocando, mas as vacinas, ou a falta delas, podem
custar caro.
Até
agora, há 10.800 milhões de doses da Coronavac, que nem sequer pediu
registro na Anvisa. Há também acertos do Ministério da Saúde com a vacina
Oxford/Astrazeneca, que está no mesmo pé. E, de repente, há uma corrida por
míseros dois milhões de doses dessa vacina, mas produzidas na Índia. A
impressão é que, para o Planalto, basta uma dose, uma só, para ser aplicada,
fotografada e filmada antes da “vacina do Doria”.
No centro do furacão está um general da ativa, pronto para virar bode expiatório, mas a lambança na pandemia, particularmente na vacina, pode custar caro em 2022, como custou a Trump em 2020. E não adianta jogar a culpa em “fraude” e em urna eletrônica, nem tentar “arranjar” na marra uns votos a mais. Os militares podem até ser coniventes com Bolsonaro e Eduardo Pazuello, mas a democracia não funciona só nos EUA. Aqui também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário