Trauma
e tempo protegem – por enquanto – o presidente Jair Bolsonaro
Ainda
existe clima para o impeachment de Jair
Bolsonaro? Em que condições um presidente se torna vulnerável a um processo
de impeachment no Brasil?
Para
responder a essas perguntas é necessário examinar duas linhas mestras da
história política brasileira.
A primeira é o presidencialismo de coalizão. Tal sistema não é invenção dos constituintes de 1988. A partilha de poder entre Executivos e Legislativos faz parte da cultura democrática brasileira desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas. Presidentes que não sabem ou não querem lidar com o fato perdem poder e são engolidos pelo Congresso.
A
segunda é que, apesar do DNA presidencialista, o Brasil tem um forte gene
parlamentarista. A lei do impeachment é expressão disso. Ela foi aprovada em
1950 por um Congresso que tentou efetivamente implantar o parlamentarismo no
Brasil. Não conseguiu, mas criou um mecanismo para manter os presidentes sob
controle.
Os
dois fatos embasam a dissertação de mestrado do jornalista João Villaverde,
personagem do minipodcast da semana. Ele dissecou os três processos de
impeachment envolvendo presidentes brasileiros: Getúlio Vargas em 1954, Fernando
Collor em 1992 e Dilma
Rousseff entre 2015 e 2016. O estudo lança um olhar analítico
sobre um tema que costuma ser encarado de forma passional e traz lições do
passado que são essenciais para entender o presente.
Villaverde
examina as cinco condições que, segundo a literatura internacional, impulsionam
o impedimento de um presidente: desequilíbrio institucional, provas
constitucionais e legais, ausência de maioria parlamentar, baixa popularidade e
fatores externos, como crise econômica. Todas as condições se aplicam aos casos
de Getúlio, Collor e Dilma. Quatro estariam presentes no caso de Bolsonaro. A
exceção é o índice de popularidade, até agora bem superior aos de Collor e
Dilma nos momentos em que perderam o cargo.
Bolsonaro,
no entanto, se beneficia de um “efeito Dilma”. O impeachment da presidente foi
um processo traumático. Ao contrário de Collor, Dilma tinha um partido forte,
enraizado na sociedade civil, o que gerou uma mobilização capaz de dividir o
País. Depois dela, é inevitável que a classe política pense duas vezes antes de
iniciar um processo tão desgastante.
Há
outro fator decisivo, calcado nas lições da história. Os afastamentos de Collor
e Dilma se consumaram, mas Getúlio sobreviveu. A hipótese de Villaverde é que o
fator tempo foi decisivo. O processo de impeachment contra Getúlio foi no fim
de seu mandato, próximo à eleição seguinte.
Nos
casos de Collor e Dilma ainda havia muito tempo para formar um novo
governo.
O
esforço que Bolsonaro fez para controlar a presidência da Câmara – incluindo o
“incentivo” de R$ 3 bilhões para arrebanhar o voto de alguns parlamentares,
como revelou o Estadão em furo de reportagem – foi, precisamente,
para ganhar tempo. Seria ingenuidade acreditar na fidelidade de Arthur Lira e
sua trupe caso a popularidade de Bolsonaro derreta e as ruas se encham. Se a
lua de mel entre o governo e o Centrão durar
até o segundo semestre de 2021, no entanto, o País já estará próximo de uma
nova eleição, e a classe política pesará isso.
Villaverde avalia que a eleição de Arthur Lira diminuiu a possibilidade de impeachment de Bolsonaro, ao menos no curto prazo. Trauma e tempo: o “efeito Dilma” e o “efeito Getúlio” protegem – por enquanto – o presidente brasileiro.
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