É inútil discutir se haverá nova ajuda emergencial ou qualquer outra política sem fixar as previsões de receita e de gastos obrigatórios.
Prioridade,
mesmo, é a aprovação do Orçamento, indispensável à operação normal do governo e
ao balizamento de seus gastos. É inútil discutir se haverá nova ajuda
emergencial – ou qualquer política de sustentação econômica – sem fixar com
clareza as previsões de receita e de gastos obrigatórios, levando em conta, naturalmente,
as normas de responsabilidade fiscal. Cuidar da lei orçamentária, já muito
atrasada, será o primeiro grande teste de seriedade, competência e liderança
dos novos presidentes da Câmara e do Senado, eleitos com apoio explícito e
multibilionário do Palácio do Planalto. Qualquer outro grande objetivo do
presidente da República e de seus aliados, como a disseminação de armas, a
mineração em terras indígenas e a liberação de mais agrotóxicos, defendida há
poucos dias por um parlamentar ruralista, é menos urgente que a programação
financeira do poder central.
O auxílio aos mais carentes “ainda é absolutamente essencial”, disse o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no discurso de abertura do ano legislativo. Ele e o novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão empenhados em discussões sobre como retomar a ajuda governamental, acrescentou o senador. Faltou dizer como seguir esse caminho sem romper o teto de gastos e sem abandonar a busca do equilíbrio fiscal.
Os
dois parlamentares conhecem essas limitações. Segundo o ministro da Economia,
Paulo Guedes, o Congresso deve seguir um “protocolo de guerra”, se os
congressistas julgarem indispensável a concessão da ajuda. Será preciso, nesse
caso, recorrer de novo a um dispositivo especial, como a cláusula de calamidade
pública, para abrir espaço à despesa extraordinária. Mas o problema, de fato,
vai muito além da abertura de uma brecha legal para esse gasto.
A
questão seria muito menos complicada se fosse possível, sem malabarismos
legais, cortar algumas despesas, neste ano, para acomodar outras. Esse arranjo
é altamente improvável. Então, se for possível, de algum outro modo, aumentar o
dispêndio para fornecer o auxílio emergencial, ou para permitir qualquer outra
medida anticrise, será preciso pensar em como produzir, logo depois, a
indispensável compensação.
Se
nenhuma despesa extra ocorrer, o Executivo já terá muita dificuldade para
fechar o ano com desajuste menor que o de 2020 e para conter a expansão da
dívida pública. Pelos cálculos do Tesouro, o governo central chegou ao fim do
ano com um déficit primário, isto é, sem contar os juros, de R$ 743,1 bilhões,
ou R$ 771,5 bilhões a preços de dezembro. Isso corresponde a 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) estimado para o ano. Será necessário um enorme esforço para
levar essa relação a algo na faixa de 2,50% a 3%. No mercado, a mediana das
estimativas aponta 2,75%.
Esse
esforço é indispensável para conter o endividamento do setor público. No fim de
2020 a dívida bruta do governo geral chegou a R$ 6,61 trilhões, ou 89,3% do
PIB. O governo geral compreende as administrações da União, dos Estados e dos
municípios, além do INSS, mas a evolução dessa dívida envolve essencialmente a
credibilidade e as condições de financiamento do poder central.
A
dívida bruta do setor público brasileiro já é muito maior, proporcionalmente,
que a da maioria dos países emergentes e de renda média (na faixa de 60% do
PIB). O mercado acompanha esse indicador. Se houver sinais de descontrole ou de
irresponsabilidade na gestão das contas públicas, o financiamento do Tesouro
ficará mais caro, porque os juros subirão, mesmo contra a política do Banco
Central.
Além
disso, a desconfiança em relação ao governo afetará entradas e saídas de
capitais e poderá encarecer o dólar, perigosamente, elevando os custos
empresariais, alimentando a inflação e prejudicando a maior parte das famílias,
especialmente as pobres. Gastos extraordinários só produzirão benefícios
efetivos se houver seriedade fiscal e desajustes maiores forem evitados. A
maior parte dos brasileiros perderá, se objetivos eleitoreiros levarem a
decisões imprudentes.
A Anvisa muda de rumo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Ainda
que tardiamente, agência fez bem ao flexibilizar processo de aprovação de
vacinas.
É consenso entre a chamada comunidade científica que só uma rápida e abrangente campanha de vacinação será capaz de interromper a circulação do novo coronavírus, salvar vidas e reativar a economia. O País, de longa tradição de qualidade em campanhas do tipo, ainda dá os primeiros passos nesta direção. Para uma sociedade acostumada a ver campanhas que vacinam 10 milhões de pessoas em um fim de semana, não deixa de ser angustiante o fato de que hoje apenas 1,3% da população esteja imunizado contra a covid-19. E isto decorre, exclusivamente, da falta de vacinas na quantidade que o Brasil precisa.
Neste
sentido, já passava da hora de a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) captar o sentido de urgência do momento e flexibilizar o processo de
autorização de uso emergencial de vacinas. A agência decidiu retirar a
exigência de que estudos clínicos de fase 3 fossem realizados no Brasil para
autorizar a aplicação emergencial de uma vacina. Era um requisito que não fazia
sentido, haja vista que as vacinas foram testadas em outros países. Ou seja, a
Anvisa terá à disposição todos os dados para proceder a análise de eficácia e
segurança dos imunizantes.
Como
bem disse o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa,
Gustavo Mendes, os estudos de fase 3 realizados no exterior precisam ser
conduzidos de acordo com diretrizes internacionais. “Isso significa que esses
estudos são confiáveis”, disse Mendes, “que podemos olhar e obter respostas que
precisamos para assegurar a eficácia e a segurança de uma vacina.”
A
decisão da Anvisa abre espaço para que outras vacinas além da Coronavac,
parceria entre a Sinovac e o Instituto Butantan, e a Covishield, da
Universidade de Oxford e da AstraZeneca, em parceria com a Fiocruz, sejam
aplicadas no País, principalmente a russa Sputnik V e a indiana Covaxin.
A
Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, está mais próxima de ser
aprovada para uso no Brasil. Isto porque os estudos de fase 3 já foram
realizados no exterior. No dia 2 passado, a revista The Lancet publicou artigo
com os resultados preliminares desses estudos, indicando que a eficácia geral
da Sputnik V é de 91,6%, resultado considerado espetacular para uma vacina com
a tecnologia da russa, que usa partículas de adenovírus.
Já
a Covaxin ainda não foi estudada em fase 3. O laboratório indiano Bharat
Biotech firmou parceria com o Instituto Israelita Albert Einstein de Ensino e
Pesquisa (IIAEEP) para realizar este teste no Brasil.
Em
nota, o Ministério da Saúde disse ter a intenção de comprar 30 milhões de doses
de cada uma dessas vacinas, o que seria um grande reforço para o portfólio de
imunizantes atualmente disponíveis. Com uma população de 212 milhões de
habitantes, o Brasil não pode depender apenas de um ou dois fabricantes,
principalmente levando em consideração as dimensões do País e os desafios de
transporte e acondicionamento que são impostos por vacinas de tecnologias
diferentes.
Em
que pesem as pressões políticas que ora recaem sobre a Anvisa, o que importa
para os brasileiros, ao fim e ao cabo, é receber a vacina e estar protegido
contra essa terrível doença que já matou quase 230 mil pessoas no País. Um dia
de espera por uma vacina custa vidas. Isto é intolerável.
Por
essa razão, a decisão da Anvisa de flexibilizar seu processo de aprovação de
vacinas foi muito bem recebida por profissionais da área da saúde. “Não estamos
vivendo uma situação normal. Nós estamos vendo um grande número de mortes todos
os dias, os sistemas de saúde estão entrando em colapso. Não podemos nos dar ao
luxo de cumprir todos os requisitos e toda a burocracia (exigida em situações
normais)”, disse ao Estado a diretora da Sociedade Brasileira de
Imunizações (SBIm), Mônica Levi.
Ainda
que tarde, a Anvisa fez sua parte. Cabe ao Ministério da Saúde firmar acordos
de compra com os laboratórios o mais rápido possível e trazer para o Brasil a
quantidade de vacinas necessária para acabar com este flagelo.
Alívio
na Colômbia – Opinião | O Estado de S. Paulo
Tudo
indica que, antes que ressuscitar a guerra, o país caminha para aperfeiçoar a paz.
Em 2012, tão logo o então presidente colombiano Juan Manuel Santos anunciou negociações para um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), uma polêmica feroz incendiou o país. Embora o acordo previsse um mecanismo de justiça transicional – a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) – para julgar delitos tão atrozes que não pudessem ser objeto de anistia, setores conservadores – notadamente o ex-presidente Álvaro Uribe e membros de seu partido, o Centro Democrático, como o atual presidente Iván Duque – viram na proposta uma maquinação para a distribuição de indultos aos guerrilheiros e retaliações aos militares. As tensões se refletiram na rejeição de uma primeira versão do acordo por 50,2% da população em um plebiscito de 2016.
Ao
final, o acordo foi reformulado, instituído, e a JEP, em sua primeira decisão
dois anos após ser fundada, deu mostras de que seus críticos estavam
equivocados. Em 28 de janeiro, a Corte denunciou oito líderes das Farc por
crimes de guerra e contra a humanidade.
O
relatório de 322 páginas do processo que apura os sequestros das Farc registra
que, entre 1990 e 2016, as guerrilhas aprisionaram mais de 21 mil pessoas. Os
reféns – ricos e pobres – eram submetidos a espancamentos, fome e outras
torturas físicas e psicológicas. Muitos foram obrigados a urinar e defecar em
público ou a cavar suas próprias covas. Alguns ficavam meses sem trocar de
roupas ou tomar banho, outros eram espremidos em gaiolas ou forçados a marchar
pelas florestas acorrentados pelo pescoço.
Após
os guerrilheiros renderem as armas, as Farc foram oficializadas como um partido
– a Força Alternativa Revolucionária do Comum, ou, desde o mês passado,
“Comunes” – e receberam a garantia de 10 cadeiras no Congresso até 2026. Mas
nas eleições legislativas de 2018 o partido teve apenas 0,5% dos votos, e em
2019 elegeu apenas um prefeito. Agora, as revelações da JEP devem sepultar
qualquer resquício de apoio que as Farc pudessem ter dos colombianos.
Entre
os indiciados estão o líder máximo das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido como
Timochenko, e outros dois atualmente no Congresso. Eles têm até o fim do mês
para se pronunciar. Se reconhecerem as acusações, além das reparações às
vítimas, podem ser condenados a serviços comunitários em liberdade. Caso contrário,
será instaurado um processo que pode condená-los a 20 anos de prisão.
O
caso dos sequestros – emblematicamente indexado como 001 – é apenas o começo.
Entre o catálogo de atrocidades atribuídas às Farc estão deslocamentos
forçados; minas terrestres antipessoa; atentados terroristas; uso de armas não
convencionais; assassinatos; massacres; e violência sexual contra mulheres e
crianças. Nos próximos meses a JEP deve se manifestar sobre lideranças
intermediárias que tiveram contato com reféns e sobre o recrutamento de
menores.
A
resposta dos ex-guerrilheiros às acusações da JEP serão uma prova de fogo em
relação a seu compromisso com a paz e as instituições republicanas. A rejeição
pode congestionar os trabalhos da Corte e minar as negociações para as reparações
às vítimas. A JEP também precisará decidir se permitirá aos acusados manter
seus mandatos. De resto, precisará mostrar idoneidade e higidez ao apurar as
suspeitas de crimes por parte dos militares, notadamente o suposto massacre de
civis tomados por guerrilheiros. Decisões imprudentes dos acusados e da Corte
podem reinflamar os críticos do acordo e detonar a polarização refletida no
plebiscito de 2016.
Se
o resultado apertado do plebiscito não permite desqualificar peremptoriamente
os temores de Uribe e seus partidários como infundados, não deixa de corroborar
a constatação de Juan Manuel Santos de que, após 52 anos de conflito sangrento,
era “melhor uma paz imperfeita do que uma guerra perfeita”. O fato é que, ao
menos pelo momento, a JEP está se mostrando à altura das esperanças depositadas
nela pelas autoridades colombianas, e tudo indica que, antes que ressuscitar a
guerra, o país caminha para aperfeiçoar a paz.
Benefícios das estatais estão fora da realidade – Opinião | O Globo
Pagamentos
de 100% de adicional de férias, da creche para os filhos e de uma generosa
ajuda de mais de mil reais por mês para educá-los até os 18 anos são alguns dos
benefícios surreais distribuídos a funcionários das estatais. Tais exemplos,
relativos à Petrobras, revelam como a cultura de privilégios incrustada no
Estado brasileiro também contamina essas empresas.
Um
relatório da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do
Ministério da Economia, revelado esta semana pelo jornal “O Estado de S.Paulo”,
escancarou as vantagens concedidas por 46 estatais da União a seus
funcionários. O relatório joga luz sobre o paraíso de benesses que terminam
pagas pelo contribuinte, quando as companhias recorrem ao Tesouro para se
capitalizar. Duas das 46 empresas analisadas, as Centrais de Abastecimento de
Minas e do Rio Grande do Norte, não repassaram suas folhas de salários,
demonstrando falta de transparência inaceitável.
A
divulgação do relatório vem sendo entendida como ato político do ministério
para reforçar a agenda das privatizações. Só que todas as informações são de
interesse público. Tornam ainda mais evidente a necessidade de retirar o Estado
de setores em que não tem nenhuma competência para atuar, e em que as empresas
viraram usinas de privilégios e negócios improdutivos.
Vários
exemplos ilustram a singularidade desse universo onde vigoram leis econômicas
peculiares, que não respeitam nem os custos nem os riscos vigentes no setor
privado. O maior salário médio, de R$ 31.335, é pago pela Empresa Brasileira de
Administração de Petróleo e Gás Natural (PPSA), subsidiária da Petrobras criada
para gerenciar o que recebe das empresas privadas nos contratos de partilha na
exploração do pré-sal. Para comparar, a renda média do brasileiro era de R$
1.650,78 antes da epidemia.
No
BNDES, o salário médio é de R$ 29,2 mil. Todos os 2,5 mil funcionários e
aposentados têm benefício integral de assistência à saúde. Enquanto a Petrobras
paga mais um salário nas férias do funcionário, as Docas do Rio de Janeiro, do
Espírito Santo e a Infraero acrescentam 50% à remuneração, acima do terço
adicional do salário que o setor privado tem obrigação de pagar ao empregado
que sai em férias.
A
Eletrobras, empresa na lista de privatizações, repassa quase R$ 900 todo mês a
funcionários que têm despesas de creche e pré-escola com filhos de seis meses a
seis anos e R$ 574 para pais de menores de 17 anos e onze meses. O maior
auxílio-creche, de R$ 1.141,60 para período integral e R$ 620,27 no parcial, é
da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com sede no Rio. Cesta de alimentos é
outra vantagem generalizada neste mundo à parte.
Dessas
46 empresas da União, 16 dependem exclusivamente do Tesouro, entre elas a
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab). Em 2019, o Estado gastou R$ 17,5 bilhões para
sustentá-las. Há muita economia a fazer em favor do Erário.
O
relatório faz um diagnóstico preciso do descalabro das estatais num momento em
que o quadro social se agrava. Além de reforçarem a necessidade de
privatizações, tais gastos chamam a atenção para os mecanismos perversos de
concentração de renda e para como o Estado brasileiro se transformou numa usina
de injustiça social.
Suspensão de feriado no carnaval ajuda a conter as aglomerações – Opinião | | O Globo
Referências
no carnaval brasileiro, as cidades de Salvador e Rio de Janeiro impuseram uma
inédita quarentena a Momo, cancelando suas concorridas festas oficiais. Não
foram as únicas. Desde julho do ano passado, no auge da primeira onda da pandemia
de Covid-19, São Paulo já descartara os desfiles de escolas de samba e blocos
em 2021. Foi seguida por prefeituras em todo o país.
Decisões
desse tipo, tomadas com antecedência de meses, se revelaram acertadas. Naquele
momento, não havia vacinas, e não se sabia se as que eram desenvolvidas seriam
promissoras. Ainda que apresentassem bons resultados, havia dúvidas também
sobre quando começaria a vacinação. As chances de nos livrarmos do novo
coronavírus até o carnaval eram tão remotas quanto as de cumprir distanciamento
social num bloco carnavalesco. Quem apostou que, por esta época, a epidemia
estaria minimamente controlada errou feio.
A
questão é: o cancelamento das festas resolveu o problema? Apenas em parte. As
fantasias permanecerão guardadas nos ateliês, e os carros alegóricos,
estacionados nos barracões. Grandes blocos anunciaram recesso. Mas a
preocupação com as aglomerações permanece. O que os foliões farão no feriado de
carnaval? Ficarão trancados em casa? É certo que todos os blocos — mesmo os não
oficiais — renunciarão ao espírito livre e rebelde da folia? A prefeitura do
Rio já monitora os grupos clandestinos para evitar surpresas.
Foi
por não ter resposta para essas perguntas que estados e municípios decidiram
suspender não só as festas, mas também o feriado de carnaval. Em São Paulo, o
governo do estado e a prefeitura da capital cassaram o ponto facultativo. Na
cidade do Rio, optou-se por um meio-termo: feriado só na terça. Os governos de
Pernambuco, Bahia, Ceará, Maranhão, Alagoas, Rio Grande do Norte, Amazonas,
Pará e Paraná também confiscaram o feriado, e os servidores trabalhão
normalmente. O objetivo é evitar aglomerações.
Claro
que não se trata de medida indolor. Quando blocos e escolas de samba se calam,
quem grita são os integrantes da cadeia produtiva que se alimenta do carnaval,
principalmente em cidades como Rio, Salvador ou Recife. Prejuízos são
inevitáveis. Mas, ao contrário do que prega o presidente Jair Bolsonaro, não
existe antagonismo entre a retomada da atividade econômica e as medidas de
prevenção ao coronavírus. Elas andam juntas. Quanto mais tempo o país levar
para controlar a pandemia, mais a economia sofrerá seus efeitos nefastos.
É,
portanto, sensata a preocupação das autoridades em evitar qualquer tipo de
aglomeração durante o carnaval, num país onde alguém morre de Covid-19 a cada
minuto e onde falta oxigênio para tratar os doentes. Reunir multidões neste
momento é simplesmente impensável. É preciso fazer o possível e o impossível
para tentar conter o morticínio. Para que não se prolongue esta eterna
Quarta-Feira de Cinzas iniciada em 26 de fevereiro do ano passado,
quando o novo coronavírus começou sua escalada macabra no Brasil.
Nova corrida – Opinião | Folha de S. Paulo
Mutações
do vírus tornam crucial que países busquem maior variedade de vacinas
A
segunda e pavorosa onda de Covid-19 a assolar Manaus derruba a tese da
imunidade coletiva, mal denominada “de rebanho”, a que muitos se agarraram.
Comprova, ainda, o poder da seleção natural darwiniana negada por
criacionistas, muito encontradiços entre os que menosprezam a pandemia.
Estimava-se
que três quartos da população manauara tivessem contraído o coronavírus
Sars-CoV-2 na primeira investida. Como o atual repique veio mais forte e
mortal, a ponto de bater recordes mundiais de taxa de infecção, multiplicam-se
as hipóteses para explicá-lo —e nenhuma delas parece auspiciosa.
Uma:
a estimativa sobre moradores imunizados pelo contágio estaria superestimada.
Outra: ela seria correta, mas a imunidade conferida teria decaído com o tempo.
Outra ainda: as defesas dos infectados não seriam capazes de protegê-los contra
as mutações P.1 na capital amazonense, dando espaço para uma vaga de
reinfecções.
Preocupa
mais a última possibilidade, porque sugere que a própria imunidade alcançada
estaria exercendo a pressão seletiva em favor de mutações que permitam ao
Sars-CoV-2 evadir-se de anticorpos. Charles Darwin explica.
Má notícia
para a esperança depositada nas vacinas disponíveis, que de resto já
tiveram constatada diminuição de eficácia contra variantes surgidas no Reino
Unido e na África do Sul.
A
Coronavac (Sinovac/Butantan) pode apresentar ligeira vantagem, sendo composta
por coronavírus inativados. Outros pedaços do patógeno, neste caso, ajudariam a
desencadear a reação imune.
Já
as que usam tecnologia de mRNA (Pfizer/BioNTech e Moderna) podem ser
modificadas em pouco tempo, talvez seis semanas, para agir contra as novas
variantes. Contudo, são mais dispendiosas e exigem logística complexa.
Torna-se
vantajoso para todo país, portanto, ter acesso a vários tipos de vacina e,
assim, obter maior flexibilidade epidemiológica. O Brasil, por imprevidência do
governo Jair Bolsonaro, só conta até março com dois produtos e 46 milhões de
doses, bastantes para imunizar meros 11% da população.
Nesse
cenário, são compreensíveis —e até bem-vindas— as pressões políticas para
apressar a aprovação de imunizantes, desde que, claro, não se sobreponham aos
critérios de segurança e eficácia.
Algumas
conclusões se impõem nessa corrida das vacinas contra os mutantes e contra a
escassez.
Nenhum
país estará inteiramente seguro acumulando imunizantes, porque podem surgir
alhures variedades que os tornem obsoletos; vacinar rapidamente é importante
para diminuir oportunidades de o vírus sofrer mutações.
Por
fim, na incerteza quantitativa e qualitativa sobre vacinas, máscaras, higiene e
distanciamento social permanecem armas indispensáveis contra a pandemia
renitente.
Melhora efêmera – Opinião | Folha de S. Paulo
Indústria
se refaz do impacto da pandemia, mas deficiência estrutural persiste
A
recessão ocasionada pela pandemia foi diferente do padrão, pois afetou mais
seriamente os serviços, enquanto a demanda por bens foi mais preservada,
ajudada também pelo auxílio emergencial.
É
o que mostra o resultado
da indústria em 2020. Embora a queda da produção tenha ficado em
4,5%, a maior desde 2016, houve crescimento sólido ao longo do segundo
semestre, e a atividade agregada fechou o ano em nível 8,3% acima do observado
no final de 2019. Enquanto isso, vários segmentos dos serviços continuam a
patinar.
Os
motivos para o bom desempenho recente se mostram variados. A defesa da renda
das famílias com as transferências do Estado aqueceu setores como alimentos e
construção civil. Nos últimos meses, a retomada se generalizou para os bens
duráveis e até alguns produtores de maquinário.
Outro
fenômeno importante foram descasamentos entre demanda e oferta. No início da
pandemia, empresas pararam por causa da perspectiva de queda das compras e
problemas para obter insumos.
Entretanto
a procura voltou mais rapidamente que o antecipado, e vários setores se viram
sem estoques. Mesmo ainda com dificuldades logísticas, o crescimento recente da
produção foi notável.
O
resultado favorável, contudo, não pode ser tomado como tendência. Embora ainda
haja perspectiva de expansão, o fim do auxílio emergencial implicará impacto
negativo na renda da população.
As
deficiências tradicionais, além disso, não mudaram. O Brasil permanece um lugar
caro para a atividade produtiva, com baixa integração às cadeias globais e em
contínuo processo de obsolescência em comparação aos principais centros de
produção e inovação.
Nem
mesmo o câmbio mais desvalorizado, no patamar sempre sonhado pelos assim
chamados desenvolvimentistas, é capaz de proporcionar um impulso sustentável
—inclusive porque o país é dependente de importação de bens mais sofisticados,
agora encarecidos.
A
expectativa para o futuro próximo pode até ser positiva, num cenário de
vacinação mais acelerada e aderência do governo ao básico da responsabilidade
fiscal.
Em prazos mais longos, contudo, pouco será atingido sem reformas que reduzam o custo doméstico e estimulem a produtividade.
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