Valor Econômico
Por que a CEF precisa receber recursos de
emendas parlamentares se é uma autarquia do governo federal?
Na quinta-feira, enquanto Bolsonaro
insistia no uso da cloroquina ao falar para um pequeno grupo de simpatizantes
na Paraíba, o país vivia mais um dia de caos. Não é possível dizer hoje, com
alguma perspectiva de acerto, até onde o dólar e o euro poderão subir em
relação ao real nem a quanto crescerá a inflação ou a quanto cairá o PIB.
Qualquer prognóstico, considerando a situação política e econômica em que se
encontra o Brasil, não passaria de vaticínio.
Mas há uma certeza: nada há a ser festejado no curto ou no médio prazo. O presidente da República abandonou - não se sabe por quanto tempo, vale dizer - os discursos inflamados contra o STF e a urna eletrônica, e a favor da beligerância armada, mas deixou a nu a incapacidade de liderar. Refém do chamado “Centrão”, grupo político majoritário na Câmara Federal conhecido pelo apetite fiscal independente de convicção ideológica, o Executivo não consegue governar. O “mercado financeiro” parece ter-se dado conta disso agora ao ser confrontado com a vulnerabilidade do ministro da Economia.
A rigor, no entanto, os embates dos últimos
dias em torno do parcelamento dos precatórios - dívida do governo reconhecida
pela Justiça - e da continuidade do auxílio emergencial destinado a famílias de
baixa renda fazem parte da mesma sinfonia, a de que o governo esgotou sua
capacidade de gerar receita suficiente para atender às demandas por dinheiro
que crescem exponencialmente, para além dos compromissos que precisa honrar.
A declaração do ministro Paulo Guedes, de
que teria de “furar” o teto de gastos do orçamento federal, confirma o que os
fatos têm mostrado desde a posse de Bolsonaro. O manejo das contas públicas
avança ao sabor dos interesses políticos específicos individuais de congressistas
e das bancadas partidárias, através das emendas parlamentares. O enorme espaço
aberto no orçamento de 2020 com a queda dos juros, pro exemplo, não foi usado
para abater dívida, apenas ajudou a inflar outras despesas, muitas delas
desconhecidas dos contribuintes.
O chamado “mercado financeiro” tem operado
de olhos fechados para a qualidade das despesas, sem falar no desperdício de
verbas públicas, ao deter-se apenas no aspecto numérico aparente do teto, uma
equação aritmética simples, sem se preocupar com o que acontece nas vísceras
das intricadas rubricas do orçamento.
Uma visita à página do Portal da
Transparência da Controladoria-Geral da União mostra que o padrão de conduta
das emendas parlamentares tem piorado bastante desde 2015, tanto com relação
aos valores empenhados quanto aos valores efetivamente pagos. Naquele ano, foi
efetivado o pagamento de R$ 24,122 milhões para empenhos de R$ 3,381 bilhões.
No ano seguinte, quando se aprovou o teto de gastos, o valor total empenhado
naquelas emendas somou mais de o dobro observado no ano anterior, enquanto que
o valor pago cresceu nada mais nada menos do que oitenta vezes:
respectivamente, atingiram R$ 7,223 bilhões e R$ 1,964 bilhão.
Em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro,
foram apresentadas 8.150 emendas com empenho no valor de R$ 12,970 bilhões e
pagamentos da ordem de R$ 5,74 bilhões. Em 2020, um total de 8.386 emendas
empenhou R$ 35,18 bilhões com R$ 16,11 bilhões pagos. Este ano, até o início de
outubro, o valor empenhado em 5.190 emendas chegou a R$ 19,24 bilhões, tendo
sido pagos R$ 9,71 bilhões, quase o dobro do que foi pago em todo o ano de
2019. Grande parte do dinheiro que sai do orçamento pela via das emendas
parlamentares tem sido destinado à área da saúde, pelo menos no papel, uma vez
que não há controle rigoroso sobre o dispêndio daquele tipo de rubrica.
Entre os dez destinos mais favorecidos
pelas emendas parlamentares, em termos de valor de verba empenhada este ano,
estão, pela ordem: fundo estadual de saúde do estado de São Paulo (primeiro
lugar em disparada, com R$ 300 milhões), Caixa Econômica Federal (CEF) em
Brasília, estado do Mato Grosso, fundo estadual de saúde do Ceará, secretaria
do meio ambiente de Mato Grosso do Sul, fundo estadual de saúde do Rio Grande
do Sul, município de Arapiraca em Alagoas, fundo estadual de saúde do Amapá,
estado do Mato Grosso do Sul e fundo municipal de saúde de São Gonçalo, no
estado do Rio de Janeiro, de acordo com dados da Controladoria-Geral da União.
A lista é curiosa, para dizer o mínimo. De
cara, seria de se perguntar o motivo pelo qual a CEF precisa receber recursos
de emendas parlamentares sendo uma autarquia do governo federal? O valor
empenhado para a Caixa na lista acima atingiu R$ 117,4 milhões até o início de
outubro. O governo do Mato Grosso do Sul (com a soma das verbas de duas
operações da lista) tem empenhos da ordem de R$ 175,35 milhões. O município de
Arapiraca, governado pelo MDB, é favorecido com R$ 85,5 milhões empenhados,
enquanto que para São Gonçalo, do prefeito capitão Nelson dos Santos do PL, o
valor é de R$ 79,5 milhões. Deve-se ressaltar que empenho não é gasto, mas é o
primeiro passo no processo da pressão política sobre o Executivo.
As artimanhas para contornar os limites de
gastos são várias, como o projeto de Lei Complementar 123 já aprovado na Câmara
dos Deputados, que exclui do teto os recursos de emendas parlamentares de
bancada ou a PEC 383 que obriga a União a destinar 1% da receita líquida
corrente por ano ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Sem falar nos
créditos extraordinários abertos junto ao Congresso fora de qualquer limite.
Face ao que se vê, não dá para ignorar o famoso ditado de que “nada está tão ruim que não possa piorar”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário