O Globo
Não é de hoje que Paulo Guedes cede nacos
de suas propaladas convicções liberais ao bolsonarismo. Se, no início, o
ministro da Economia ainda tentava dar ares filosóficos a essa capitulação,
contando, talvez para si mesmo, uma narrativa do encontro da “ordem” com o
“progresso”, diante da clara inviabilidade de sustentar qualquer um dos dizeres
da bandeira nos dias de hoje, ele resolveu só deixar de resistir e ceder as
chaves do cofre para o projeto de reeleição a todo custo de Jair Bolsonaro.
O teto de gastos parecia ser o último
umbral que Guedes não estava disposto a cruzar rumo ao populismo indisfarçado
para reeleger um presidente de resto indefensável, mas a quem ele insiste em
servir, aparentemente a qualquer preço.
A cada pedaço de coerência que negociava, Guedes explicava — de novo a si mesmo, à imprensa e ao mercado —que o fazia para que sua saída do posto não resultasse na entrada de algum aventureiro que explodiria o teto e o compromisso fiscal. Aos que o questionavam, o ministro sempre tinha o argumento de que, sem ele, a vaca iria para o brejo.
Foi mais que constrangedor assistir ao
triplo tuíste carpado retórico que o filho de Chicago teve de dar para explicar
por que aceitaria mais uma derrota. O antes insubstituível Posto Ipiranga foi
alijado até dos detalhes do anúncio do auxílio de R$ 400, montado à revelia de
sua equipe, que ele só conseguiu adiar por poucas horas, mesmo assim graças ao
pânico que acometeu o mercado, e não por consideração a ele ou ao seus
subordinados.
João Roma, expoente da ala política que
hoje dá as cartas no governo, foi quem comandou o circo. A guinada rumo ao
vale-tudo reeleitoral é de tal monta que os R$ 400, hoje, são o piso, não o
extrateto do auxílio.
Quando a discussão no Congresso esquentar,
não serão poucos os parlamentares a querer escalar até os R$ 600, valor inicial
do auxílio emergencial e cifra que Lula, que de bobo não tem nada, passou a
defender.
Quando esse leilão do “quem dá mais” do
auxílio aconteceu em 2020, Guedes ficou no governo mesmo assim. E rapidamente
improvisou uma justificativa de que ele e o governo é que “deixaram” a Câmara
achar que foi ela que elevou o benefício.
Da mesma maneira, diante dos claros
movimentos para reeleger Bolsonaro a qualquer preço, o ministro tenta, de forma
triste, usar termos tirados da cartola para dizer que o que está em curso é uma
“antecipação” da revisão da regra do teto, quando sabe que ela foi rasgada
mesmo, para não mais voltar.
O “extrateto” inclui o calote nos
precatórios, o auxílio turbinado, a “bolsa-boleia” que Bolsonaro anunciou para
os caminhoneiros sem nem consultar para o ex-Posto Ipiranga e, podem esperar,
aquela anabolizada nas emendas do relator ao Orçamento e no fundão eleitoral.
Já que nem todo mundo está disposto a abrir
mão de zelar pela própria biografia, como Bolsonaro pediu a Guedes em reunião
recente, começou a debandada na equipe econômica, com demissões não só de
importantes secretários da pasta do ministro, como também das adjacentes, como
Minas e Energia.
O mercado, sempre disposto a engolir os
ataques de Bolsonaro à democracia, seus arroubos negacionistas, sua recusa em
comprar vacinas e seu plano meticuloso para promover retrocessos civilizatórios
de toda natureza, entrou em desespero.
Tudo isso a Faria Lima é capaz de tolerar,
mas mexer no teto já é demais. Pode parecer exagero, mas não é, não. Graças a
essa condescendência dos detentores do dinheiro, que a História haverá de
registrar, Bolsonaro se safou de qualquer tentativa de instaurar um processo de
impeachment e, agora, ganha instrumentos poderosos para tentar brigar por uma
reeleição que até aqui parecia bastante improvável. Com Guedes no palanque e
assinando os cheques de campanha.
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