terça-feira, 19 de outubro de 2021

Míriam Leitão - O Brasil é melhor do que o seu governo

O Globo

O empresário Guilherme Leal cita dois números que dão uma noção do que o Brasil deixa de ganhar na economia da floresta. “O mercado de produtos florestais atinge a casa de US$ 180 bilhões por ano e o Brasil tem apenas 0,5% dele”. O país se prepara para a reunião de Glasgow. A sociedade se organiza em alianças entre empresários, ambientalistas e especialistas de áreas diversas para ter uma presença forte na COP 26. Governadores amazônicos estavam reunidos ontem em Belém no Fórum Mundial de Bioeconomia. O governo federal errou muito em 2019 e agora dá alguns sinais de que mudará sua desastrosa posição. Um agente dessa mudança de posição é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Todos os empresários com quem falei nos últimos dias afirmam que o Brasil tem que estar preparado para os debates. Esta reunião do clima é estratégica porque vai definir o Manual de Regras do artigo sexto do Acordo de Paris, que estrutura o mercado de carbono. Algumas pessoas no governo têm a noção da importância da reunião. No Banco Central eu ouvi o seguinte:

–O Brasil precisa chegar à COP com três coisas: plano de desmatamento com percentual factível de redução até zerar, o ‘race to zero’, e como pretende colocar as empresas nisso; um documento crível de mercado voluntário e metas de mercado obrigatório em dois ou três anos. Se chegar com isso, sairá com relativo sucesso.

O empresário Guilherme Leal disse, em entrevista que me concedeu na Globonews, que em 2019 a delegação brasileira criou obstáculos à regulamentação do mercado de carbono e que é do maior interesse do Brasil que haja um mercado regulado.

–A gente espera e torce por uma nova atitude do governo. E tem indicações de que o governo será mais positivo nessa COP 26. O mercado de carbono é importante, mas a floresta é muito mais do que carbono. A floresta é de uma riqueza fantástica. E o Brasil pode ter muito mais vantagens na economia dos produtos florestais — disse Leal.

O empresário define com adjetivos fortes o que é o garimpo: “invasivo, destrutivo, poluidor e que contamina nossas águas”. Defende que continue a demarcação de terras indígenas. Ele disse que estudos dos últimos 36 anos mostram que as populações tradicionais têm sido “guardiãs da floresta”.

O governo do Pará está recebendo até quarta-feira o Fórum Mundial de Biodiversidade que, pela primeira vez, se reúne fora da Finlândia. Uma das mobilizações interessantes é a dos governadores da Amazônia que, apesar das diferenças políticas têm se unido e tentado canais de diálogo com outros países e organizações na questão da mudança climática e proteção da biodiversidade.

Outra mobilização que acontece é a de ambientalistas, empresários, pesquisadores de áreas diferentes em iniciativas como a Concertação pela Amazônia, organizada pelo empresário Guilherme Leal. O que a gente ouve de todos eles é que o Brasil só tem a ganhar se reduzir o desmatamento da Amazônia, voltar a ter protagonismo nas negociações climáticas e desenvolver a bioeconomia, a Amazônia 4.0, nos moldes defendidos pelo cientista Carlos Nobre.

Todos os governos dos estados amazônicos foram para Belém ontem para o encontro que tem cientistas, economistas, banqueiros, empresários do agronegócio e representantes de diversos países. Perguntei ao governador Helder Barbalho como havia sido a negociação para que o evento acontecesse pela primeira vez fora da Finlândia.

– Isso é um trabalho de 25 meses, mas quem deu o primeiro passo foi o Marcello Brito da Associação Brasileira do Agronegócio. Ele vai todo ano e propôs que fosse feito no Brasil. No evento, o governo do Pará criou uma unidade de conservação, lançou um edital para concessões de florestas para crédito de carbono e uma linha de crédito para projetos de conservação.

A alternativa à proteção da floresta é a derrota, explica Guilherme Leal.

–Nós sabemos que a economia do desmatamento é efêmera. Ela passa e depois cria vazios. Deixa o nada atrás de si e vai abrir novas fronteiras. Precisamos acabar com essa lógica — disse.

No Brasil há uma fratura. A sociedade cria coalizões e avança na direção certa. O governo Bolsonaro com uma visão estúpida atrapalha o país. Dentro do governo alguns poucos tentam evitar um novo fiasco. Enquanto isso a floresta é derrubada, um pouco por dia.

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