O Globo
Na semana passada, eu estava no pequeno
grupo que teve o privilégio de assistir à histórica entrevista que o cineasta
Zelito Viana fez em 1977 com Darcy Ribeiro e que já era considerada perdida.
Ainda falta encontrar o áudio, mas a solução improvisada não podia ser melhor:
a fala de Darcy, transcrita e ilustrada por imagens, foi dita pelo ator Marcos
Palmeira com tal segurança que o texto parece ser do ator, não do antropólogo.
Ao terminar a projeção, o único comentário
que consegui fazer foi que, aos 90 anos, não esperava aprender tanto sobre
nossa história, sobretudo a que não está nos livros. No momento em que o
complexo de vira-lata diagnosticado por Nelson Rodrigues está predominando no
país, considerado pelo mundo um pária, Darcy ensina que devemos abandonar o
servilismo e assumir o narcisismo. Ou melhor, “o darcisismo”: ser
autoconfiante, orgulhoso, como ele mesmo, que gostava de se confundir com a
pátria; ser sua encarnação e metáfora.
A entrevista que concedeu a Zelito é
dividida em quatro partes: “Indianidade original, Babel, As Missões e A
protocélula Brasil”. Quando for exibida na televisão, o que se espera, será
apresentada numa série de quatro episódios. Aqui, cito apenas alguns trechos:
— Este país é tão extravagante que tudo é ao mesmo tempo. O Brasil não tem idades, não teve eras (...), o que existiu no passado continua aí. Está tudo aí. O índio, igualzinho ao que Cabral encontrou, está lá, no fundo da mata, pelado, com aquela mesma alegria de viver que é uma glória — alegria de comer, de beber, de cagar, de foder.
Entre os que já estavam lá antes do branco,
Darcy cita com carinho a galinha, que ele diz ter encontrado em cada tribo,
inclusive as mais remotas. “Os índios Urubus a chamavam de sapucaia e achavam
uma beleza aquele bicho, que não comiam porque consideravam um desperdício,
pois cantavam e alegravam a aldeia.”
Mas nem tudo era alegria naquele paraíso
que inspirou Thomas Morus a escrever a “Utopia”. Darcy não deixa passar a
Cabanagem, a revolta que, para ele, foi “sem dúvida, o maior genocídio
brasileiro”. Não esqueceu também a cena em que Anchieta, feliz, dizia ter
melhorado muito de sua tuberculose, ao mesmo tempo que descrevia os índios que,
contaminados, morriam como moscas, tossindo e cuspindo sangue.
Uma das maiores surpresas do antropólogo
foi a quantidade de línguas que se falavam aqui. “Nunca houve uma Babel como o
Brasil”, ele se espanta. “Vejam só, na Europa se fala alemão, inglês, russo,
italiano, francês. Todas essas línguas pertencem a um tronco só: o
indo-europeu. Pois bem, no Brasil, havia mais de 30 troncos linguísticos como o
indo-europeu. Aqui foram faladas mais de mil línguas não inteligíveis umas às
outras. Trinta troncos sem nenhum contato, nenhum parentesco com o outro. Uma
Babel total.”
As histórias do autor de “O homem
brasileiro” não têm fim, mas o espaço para contá-las, infelizmente, sim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário