O Globo
A inflação superou a barreira dos 10% ao
ano em setembro, algo não visto desde o governo Dilma. O pior já passou? Não
exatamente. Nas variações anuais é possível que sim, porque a base de
comparação daqui para frente será maior (foi justamente em outubro de 2020 que
a inflação começou a acelerar). Do ponto de vista do consumidor, porém, que
sente a alta dos preços a cada mês, o quadro preocupa.
Analistas costumam destrinchar a inflação
para identificar os principais condicionantes da alta e, assim, traçar cenários.
Os vilões seriam vários: a falta de insumos encarecendo produtos
industrializados; choques climáticos tornando a alimentação mais cara; a crise
de energia majorando a conta de luz; a alta de derivados de petróleo no mercado
internacional elevando os preços nas bombas; o menor isolamento social
pressionando os serviços; e a alta do dólar pressionando tudo.
Em breve, a lista poderá ser acrescida com outros itens, como a alta de aluguéis, cujos contratos deverão voltar a ser corrigidos pelo IGP-M passada a pandemia.
Quando a lista é extensa é porque há
problemas mais profundos, que não serão superados rapidamente. Não se trata de
um conjunto de choques transitórios que, por falta de sorte, resolveram
aparecer todos juntos.
Alguns daqueles itens são de fato fruto de
choques aleatórios (exógenos), que por sua vez não justificariam, por si só, a
alta de juros pelo Banco Central, devendo ser acomodados — é para isso que
existe o intervalo de tolerância da meta de inflação (desvio de 1,5 pp, para
mais e para menos, em relação à meta central, de 3,5% em 2022).
Nessa situação, a tarefa do BC é monitorar
efeitos secundários dos choques, que precisam ser combatidos. Um exemplo
cotidiano: a quebra de produção de tomate (efeito primário) gerando aumento de
preços do molho em lata, e assim por diante (efeito secundário).
Há sinais de efeitos secundários se
materializando, o que sugere uma inflação ainda elevada adiante. Nota-se uma
maior rigidez da inflação e alguns sinais de repasses de custos, por exemplo,
na alimentação fora do domicílio, que está acima do padrão dos últimos anos,
acumulando alta de 7,4% em 12 meses.
Há uma certa tendência de categorizar
muitos desses eventos acima como choques exógenos puros, o que não é correto,
pois em parte podem resultar de problemas de gestão governamental; são em parte
auto infligidos (endógenos).
Por exemplo, a má gestão do setor de
energia torna o país mais vulnerável à hidrologia. Não que o BC não deva
acomodar o aumento da tarifa de energia, mas precisa levar em consideração
esses problemas, que afetam o potencial de crescimento de longo prazo, no
desenho de suas estratégias.
Ora, se há gargalos de infraestrutura, eles
precisam ser incorporados aos modelos do BC, pois poderão exigir juros mais
elevados do que se imaginava.
Outro exemplo é a pressão cambial. Ela não
reflete em sua totalidade um choque mundial, pois a cotação do dólar está muito
distante do que seria o sugerido pelo cenário internacional.
O diferencial indica a existência de
fatores internos, no caso, erros na gestão da economia e a elevada incerteza na
política. Da mesma forma que o câmbio é impactado, outros preços diretamente
atrelados a ele também, como combustíveis.
Vale ainda citar que a alta do dólar tem
uma natureza diferente; não se compara, por exemplo, com uma quebra de safra
(choque de oferta).
O primeiro trata-se de um choque que
estimula a demanda na economia (exportações sobem e importações caem), o que
precisa entrar na conta do BC; no segundo, as exportações caem, não demandando
a mesma resposta de política monetária.
Não convém muitas certezas sobre o
comportamento futuro do dólar, porque os fatores que pressionam a moeda
continuam presentes, sem perspectiva de correção neste mandato presidencial,
notadamente a gestão das contas públicas.
Ademais, o ambiente eleitoral está muito em
aberto. A depender das composições políticas, o grau de incertezas em 2022
poderá ser o maior desde a campanha de 2002.
Finalmente, entendo que ainda há pressões
de custos relevantes na economia, no atacado e no varejo, enquanto a inflação
mundial — também resultante de estímulos em excesso — não dá trégua por ora.
Não, o pior não passou.
PS. É preciso afastar o julgamento
precipitado do ministro Paulo Guedes e do presidente do Banco Central Roberto
Campos Neto.
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