sábado, 9 de dezembro de 2023

Alvaro Gribel - Fazenda entre o ruim e o menos pior

O Globo

Lula coloca a pasta de Haddad em posição difícil: mexer na meta de déficit zero de 2024 ou criar uma nova interpretação do arcabouço fiscal, para evitar bloqueios

A credibilidade do novo arcabouço fiscal pode sair arranhada por um gasto a mais de R$ 30 bilhões. O número pode parecer muito, mas, na verdade, representa 1,37% da despesa primária prevista pelo governo federal no ano que vem. Essa é a diferença entre o bloqueio máximo de recursos em 2024 defendido pelo Ministério da Fazenda, de R$ 23 bilhões, e a visão de consultores da Câmara, especialistas em política fiscal e até integrantes da base do governo, de R$ 53 bi. A pasta quer esse teto mais baixo nos bloqueios para evitar que Lula mude a meta de déficit zero de 2024, para proteger os recursos do PAC. O problema é que isso tem sido visto como uma nova interpretação sobre o arcabouço. O ideal seria que o presidente não colocasse a Fazenda nessa posição de ter de escolher entre o ruim e o menor pior. Pela quantia em jogo, o governo tem mais a perder do que a ganhar. Não vale a pena minar a confiança por R$ 30 bi.

PAC não funcionou

O Orçamento do ano que vem prevê R$ 2,188 trilhões em gastos primários, o correspondente a 19,2% do PIB. Desse montante, 89,7% são gastos obrigatórios, e apenas 10,3% são “discricionários”, ou seja, passíveis de corte, incluindo os investimentos. Os investimentos federais, contudo, correspondem a apenas 0,6% do PIB, como mostra o gráfico. O que realmente faz a diferença para a economia é o investimento privado, que depende de estabilidade de regras e, principalmente, confiança. Por isso, essa perda de reputação só atrapalha. Além disso, os programas PAC 1 e PAC 2 não deram os resultados esperados. Nada indica que será diferente com o PAC 3.

Túnel do tempo

A virada do ano marcará 10 anos do início da derrocada do PT na economia, o que foi decisivo para a queda da ex-presidente Dilma Rousseff, dois anos depois. Foi a partir de 2014 que o PIB foi a zero (0,1%, depois revisado para 0,5%), as contas públicas sucumbiram ao déficit primário (R$ 32,5 bilhões), e a inflação começou a ser controlada de forma artificial — com represamento dos preços dos combustíveis e da energia elétrica. A conta chegou em 2015, quando o país enfrentou a maior recessão da história. Foram 8 trimestres de retração, na comparação anual, com um tombo de 3,5% no ano seguido de outra queda de 3,3% em 2016.

O motor de 2024

O ritmo de crescimento mundial em 2024 dependerá do banco central mais importante do mundo, o Fed. Se os membros do comitê (Fomc) entenderem que o pior período da inflação no país ficou para trás, e a economia dos EUA corre o risco de desacelerar mais fortemente, a taxa básica de juros por lá, hoje entre o intervalo de 5,25% e 5,5%, começará a cair já no primeiro semestre. Para o Brasil, seria a melhor notícia, o que permitiria ao nosso BC pensar em acelerar os cortes de juros. Ontem foi divulgado o emprego nos EUA, que veio acima do esperado, e na terça-feira sairá a inflação de novembro. Cada um desses indicadores será analisado com lupa pelo mercado. Na quarta, o Fed tem reunião e deve manter os juros.

Plural x singular

O Banco Central brasileiro vai cortar a Selic em meio ponto na próxima quarta-feira, de 12,25% para 11,75%. Essa indicação ficou clara na Ata do Copom, que também sinalizou um novo corte igual em janeiro. O mercado, no entanto, vai procurar por um trecho específico no comunicado da semana que vem. Se o BC mantiver a expressão de cortes na mesma magnitude nas “próximas” reuniões, ou seja, no plural, haverá a certeza de nova redução de meio ponto também em março. Se isso for suprimido ou alterado para o singular, a Selic poderá cair em ritmo menor, de 0,25%, o que irá despertar a ira de Lula. Manter a meta de déficit zero e a confiança na política fiscal são variáveis-chave dessa equação.

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