Folha de S. Paulo
Mandonismo e oligarquias regionais prevalecem
sobre os interesses da nação
Ao suspender os
pagamentos das emendas
impositivas aos membros do Congresso
Nacional, sob a justificativa de que eles não viriam obedecendo os
critérios técnicos previstos pela Constituição,
o Supremo
Tribunal Federal recolocou na ordem do dia dois problemas
interconectados.
O primeiro diz respeito à necessidade de imposição de regras mais efetivas de transparência e de procedimentos de rastreabilidade dos recursos a serem encaminhados pelo Executivo federal aos entes subnacionais, conforme os interesses políticos e eleiçoeiros de deputados e senadores. O segundo problema diz respeito ao risco de que esses recursos sejam pulverizados por meio de emendas não vinculadas a projetos formulados de modo tecnicamente consistente e com base no interesse público.
Desmentindo mais uma vez o provérbio de que o
Brasil seria o país do futuro, a interconexão desses dois problemas volta a
recolocar na ordem do dia, assim, o desafio de que o Brasil até hoje não
conseguiu vencer —a formulação de um projeto de nação. Na defesa de seus interesses
paroquianos, os parlamentares insistem em afirmar que conhecem as
necessidades de seus municípios melhor do que a tecnocracia da União. Por
conveniência, porém, esquecem-se de que se a distribuição de quase metade do
Orçamento federal for estilhaçada,
os diferentes interesses locais e a falta de eficiência na sua aplicação
continuarão mantendo as profundas desigualdades regionais, impedindo assim o
progresso do país enquanto nação.
Esses parlamentares —que já estariam
controlando metade do Orçamento do país, segundo os ministérios da Fazenda e do
Planejamento— também afirmam que a transferência de recursos federais para suas
bases eleitorais consolida a democracia. Mas a que tipo de democracia eles se
referem? Desde que no decorrer do século 20 foi incorporada na ordem
constitucional brasileira a premissa de que os estados das regiões mais
atrasadas deveriam ter o controle do processo político para evitar o domínio do
país pelas regiões mais ricas, o Brasil se destaca por ter um regime federativo
eivado de distorções.
Segundo o IBGE, apesar de o Sul e de o
Sudeste terem 56,3% da população e 57% do eleitorado, as duas regiões detêm
apenas 49,9% dos assentos na Câmara dos
Deputados e 26% dos assentos no Senado.
Já o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste, que têm 43,7% da população e 42,5% do
eleitorado, controlam 50,1% dos assentos na Câmara e 74% dos assentos no
Senado. Não é por acaso que as lideranças mais empenhadas em controlar a
destinação das emendas impositivas e em acusar o STF de estar invadindo a área
de competência do Legislativo venham, justamente, dessas três regiões.
É por causa dessa distorção
federativa que, nas votações do Congresso, os interesses do
mandonismo local e das oligarquias regionais tendem a
prevalecer sobre os interesses maiores da nação. O resultado é a
indefinição de responsabilidades, duplicações de esforços, indiferenciação
entre interesse privado e interesse público, a ineficiência administrativa e
multiplicação de gastos perdulários. Além disso, a conversão de parte
significativa da máquina administrativa em feudos controlados por facções
políticas interessadas em destinar recursos públicos para suas clientelas, como
as lideradas por Lyras, Calheiros, Alcolumbres e Barbalhos da vida, tende a
fazer do Executivo federal um Poder com dificuldades para definir objetivos,
prioridades e metas de médio e longo prazo.
Nesse cenário de disputa entre o Congresso e
o STF no que se refere às regras e procedimentos para as emendas parlamentares,
a ameaça dos congressistas de restringir prerrogativas dos ministros da corte e
de barrar verbas para o Judiciário dão a medida das dificuldades de
governabilidade resultantes das desigualdades na representação política entre
os entes subnacionais da Federação.
*Professor titular do Departamento de
Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP e membro do Conselho de Inovação e
Pesquisa da FGV
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