Valor Econômico
“Bondades” prometidas beneficiam mais os mais ricos, ao contrário do que pode parecer
Nos bastidores, já estão em movimento as
engrenagens para a montagem de uma proposta de reforma do Imposto de Renda
(IR). É o próximo round a ser enfrentado pela equipe do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e não será nada fácil.
O risco nesse caso é a política se sobrepor
aos números, como tem ocorrido nesse tipo de discussão.
“O componente técnico está ficando muito por
trás do componente político, e isso é preocupante”, afirmou à coluna o
professor do IDP José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em política
fiscal do país. “Já houve esse problema no Imposto sobre Bens e Serviços e é
mais preocupante no Imposto de Renda.”
O receio de Afonso está presente também entre
os técnicos da equipe econômica. Há temas do Imposto de Renda da Pessoa Física
(IRPF) que, na frieza das planilhas, precisariam ser discutidos. Mas deverão
permanecer escondidos nas gavetas da burocracia.
É o caso das deduções de gastos com saúde e educação. Há décadas se discute se é justo, do ponto de vista social, uma pessoa pagar menos imposto por ter plano de saúde ou ter matriculado os filhos na rede privada de educação, enquanto contribuintes mais pobres não têm renda para acessar esses serviços, por isso não têm o que abater.
Ainda na transição, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva chamou a atenção para a própria situação: consultou médicos
particulares e abateu do IR. Porém, é pouco provável que a proposta de reforma
do Imposto de Renda, cujo cardápio de opções já lhe foi apresentado, trate
desse assunto. É um tema caro à classe média, um estrato da sociedade que é
disputado a tapa no atual ambiente de polarização política.
Planilhas e argumentos técnicos perdem de
lavada quando questões tributárias são submetidas ao Congresso Nacional, como
será o caso da reforma do IR.
Durante as discussões da reforma dos impostos
sobre o consumo, receberam pouca atenção dois estudos elaborados pelo
Ministério do Planejamento, sobre as desonerações da cesta básica e dos
medicamentos.
Ambos chegavam à mesma conclusão: os maiores
beneficiados são os mais ricos. Esses consomem mais, por isso ficam com uma
fatia maior do bolo de impostos que o governo deixa de arrecadar - para,
supostamente, beneficiar as pessoas de baixa renda. Do ponto de vista
redistributivo, seria mais efetivo cobrar os impostos e devolver o dinheiro
arrecadado aos pobres por meio de cashback ou reforço em programas como
Farmácia Popular, apontam os estudos.
Os parlamentares sabem disso, mas prevaleceu
a opção mais conectada com a intuição dos eleitores.
O próprio Lula vem comemorando a inclusão da
carne na cesta básica desonerada. Trata-se, porém, de algo que tornará difícil
respeitar o teto de 26,5% para a nova tributação sobre o consumo. Todos pagarão
a conta do incentivo fiscal ao consumo de picanha.
Coisa semelhante tende a acontecer com a
tabela do IRPF. À medida que avançam os estudos internos, Lula tem repetido que
cumprirá sua promessa de campanha: elevar para R$ 5 mil o limite de isenção do
tributo, atualmente em R$ 2.824. Na semana passada, falando a trabalhadores de
uma montadora, acrescentou que está esperado para “dar o bote” e isentar também
as distribuições de Participação em Lucros e Resultados (PLR).
Será um “anti-Robin Hood”, alertou Afonso.
Também nesse caso, a “bondade” beneficia mais os mais ricos, ao contrário do
que pode parecer.
Em 2021, quando o Congresso analisava uma
proposta de reforma do IR elaborada pela equipe do então ministro da Economia,
Paulo Guedes, o Projeto de Lei (PL) 2.337/21, a Instituição Fiscal Independente
(IFI) calculou o impacto da proposta, que elevava o limite de isenção de R$
1.903,98 para R$ 2,5 mil e reajustava as demais faixas em menor magnitude.
Chegou a uma perda de R$ 1,38 bilhão por mês.
Cruzando com os dados da Relação Anual de
Informações Sociais (Rais), o estudo da IFI constatou que os contribuintes da
faixa mais alta de renda se apropriariam de 80,3% do que deixaria de ser
arrecadado. Aqueles na faixa de tributação mais baixa, de 7,5%, ficariam com
apenas 7,8% da renúncia.
“Subir a faixa de isenção beneficia todos os
contribuintes”, comentou Afonso. “Ao contrário do discurso político, os dados
revelam que, ao fazê-lo, eu beneficio mais os mais ricos e menos os mais
pobres.” O quadro não deve ter mudado muito de 2021 para cá, acredita.
O especialista tem uma sugestão para esse
caso: em vez de elevar a faixa de isenção, melhor seria aumentar o
desconto-padrão da declaração simplificada, usada pelos contribuintes de menor
renda. “A vantagem: é uma reforma progressista e certamente beneficia só quem
ganha menos”, comentou. A desvantagem é que esse contribuinte seguiria sofrendo
retenção de IR na fonte, para só resgatá-lo com a apresentação da declaração de
ajuste.
O ponto de partida dos técnicos na reforma do
IR foi: aumentar a tributação sobre os mais ricos para, entre outras coisas,
baratear o emprego. No atual quadro de restrição fiscal, pode ficar difícil
atingir esses objetivos e ao mesmo tempo cumprir as determinações de Lula.
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