quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Aylê-Sallassié Filgueiras Quintão* - Desconfortos locais : triunfo da máquina

E "last but not least" os presidentes dos três Poderes - Legislativo, Executivo e Judiciário - reuniram-se para tentar moralizar  o  "Orçamento Impositivo"  , de acesso direto e fácil dos  congressistas  ao dinheiro público. Uma   tal "emenda Pix" dispensa, inclusive,  a indicação da área ou o projeto da prefeitura aos quais se destinariam. Esses foram institutos de gestão financeira que   Congresso criou para si com o fim de conseguir a liberação compulsória  do dinheiro das emendas  parlamentares e o seu  acesso  , após  ter de suportar um controle  sistemático  pelo  chefe do Executivo (gestor do Tesouro) . São introduzidas  no Orçamento da União,  anualmente,  em valores  variáveis  entre R$ 6 a 10 milhões para cada um dos  513 deputados e 81 senadores  aplicarem nos municípios de origem.

A dúvida que sempre presidiu a manobra é  o desconhecimento geral sobre o que esses políticos  fazem do  dinheiro , sobretudo, em tempos de  eleições ?  Para financiar o pleito , partidos e candidatos já dispõem de um Fundo Especial de Financiamento de Campanha, instituído pela Lei 13.487, de 2017. O valor desse chamado “fundão” foi definido em R$ 2 bilhões para as eleições  deste ano. Aplicado na saúde daria para construir 200 hospitais, segundo cálculos  feitos ´pelos próprios  parlamentares. Agora veio a Proposta de Emenda Constitucional que anistia dívidas de estados e municípios. Como resultado, para o pleito municipal de outubro,  até o dia  9 de agosto haviam dado entrada na Justiça Eleitoral  160.483 pedidos de registro de candidatura de vereadores, prefeitos e vice-prefeitos para os 553 municípios brasileiros.

No último dia 16 de agosto, começou oficialmente a campanha eleitoral para a escolha  desses novos prefeitos e vereadores . Extra oficialmente,  ela já vem rolando desde o início deste ano  por meio de inocentes mobilizações:  visitas, inaugurações de obras paralisadas há 20 anos, desavenças públicas de candidatos e partidos difundidas amplamente por uma  suposta mídia espontânea. E, assim, sabidamente, os governantes de plantão vão impregnando o cenário  com imagens, falas e discussões  quase sempre inoportunas, causando desconfortos para os cidadãos locais. Embora nos antigos pleitos, sobretudo no Nordeste,  a reação fosse no cano do revólver, o ex-governador do Rio de Janeiro,  Carlos Lacerda, cunhou este  belíssimo chavão eleitoral apaziguador: "Falem mal, mas falem de mim." 

Ardilosamente,  o Congresso foi, entretanto,  provocado pelo STF com a  desconfiança sobre os destino dos  R$ 50 bilhões em emendas parlamentares neste ano eleitoral.  O Supremo resolveu finalmente  cobrar  transparência  na aplicação individual  desse dinheiro. O ministério da Fazenda, que tem nas mãos a chave do Tesouro, já havia anunciado a pretensão de destina-lo compulsoriamente  para o tal PAC - Programa de Aceleração do Crescimento. O programa inclui ações como a construção de habitações,  de escolas, de postos de saúde, carência nacional, numa tentativa de interromper o fluxo fácil de dinheiro público para financiar redutos eleitorais e até alimentar  o bolso de alguns. 
 
Inconfessadamente,   usando o Supremo Tribunal Federal, onde tem a seu favor a maioria dos ministros, o Planalto parece querer desnudar essa excrescência do "Orçamento Impositivo" para manter um certo  controle sobre as candidaturas de oposição.  Estão acumuladas  emendas, não liberadas, perto de R$ 11 bilhões, e mais RS 4 bilhões deste ano. A elas só teriam acesso imediato os candidatos da situação. As emendas dos  que concorrem  fora dessa lógica repressiva receberiam seu quinhão  depois das eleições. Por isso, é de caráter quase teatral a tentativa de intervenção politizada do Supremo sobre as emendas , exigindo  prestação de contas no uso desse dinheiro. Os artifícios  contábeis legais são muitos e os ilegais milhares. É um vício que tem se agravado, a olhos vistos,  ao longo do tempo, e que abarca praticamente todos os partidos e a maioria dos parlamentares. 
O  STF  cai em campo na campanha  ao fazer a denúncia  quanto  obscuridade no uso das emendas orçamentarias destinadas a partidos e parlamentares . Parece ter   sentido se, por outro lado, não significasse uma intromissão,   no panorama  das eleições, em questões que dizem respeito  ao Congresso Nacional  . Para completar esse quadro intervencionista dissimulado eleitoralmente, acaba-se  de anistiar,  adiar e  reprogramar o parcelamento das  dívidas de estados e municípios brasileiros, próximo de R$ 800 bilhões, e que vem se arrastando , como uma bola de neve, há mais de 40 anos. O nosso economista maior, recentemente falecido, Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura, já dera essa dica : "Dívida não se paga, rola-se". Assim, com a anuência, e alguns avais  do Governo Federal, os governadores e prefeitos  aproveitam a oportunidade das eleições para fazer mais dívida e rolar as antigas, deixando os encargos para os que vierem depois.

O ambiente e a propaganda eleitoral  sempre foram falseados por conveniências que contribuem para  dar perenidade histórica à  praticas,  valores, famílias,  políticos, carismas  nem sempre moralmente reconhecidos. Não são, portanto, inteiramente confiáveis . Criam-se partidos e candidaturas para vender, pecuniariamente mesmo, apoios político nas eleições, na Câmara Federal, nas estaduais e municipais.  O Superior Tribunal Eleitoral não ignora esse quadro, mas administra o processo a seu modo, ou segundo o modelo historicamente configurado.  

Quem está no Poder ou com as chaves do cofre do Tesouro nas  mão projeta-se sempre  na vanguarda do modelo. Em geral, a sensatez no manuseio dos recursos públicos é nebulosa,  e agrava-se mais em tempos de eleição. Os gestores e administradores das campanhas sentem-se amparados para recorrer, sem pejo judicial,  inclusive à  captação de contribuições  substanciais das empresas e bancos privados .
   
Esse quadro configura-se em proporções mais  modestas nos municípios nos quais surgem, eventualmente,   cidadãos capazes de decifrá-lo.  A nível federal , quando isso se descortina publicamente, desenrolam-se  investigações policiais, no Ministério Público ou em  comissões de Inquérito no Congresso, resultando em espetaculosas  operações especiais como  a dos "Sete Anões",  "Mensalão" e "Lavas Jato". Mas,  nunca resultam em punições severas no mundo político. E isso: "last, but not least", há algo mesmo  lá a ser resolvido. Contudo, a reunião dos três Poderes parece mais um "Acordão". Está dada a largada!. Cabe  a História resolver.

*Professor, jornalista. 

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