O Globo
Instituições de Estado jamais deveriam lançar
combustível na fogueira das paixões políticas
A consolidação da Independência do Brasil,
proclamada por D. Pedro I há 202 anos, sempre teve como força organizadora
primordial a busca pela paz interna. Nações divididas e em permanente conflito
intestino tornam-se vulneráveis à ação de forças externas que desejem
subjugá-las. Mais ainda quando conflitos crônicos e aparentemente insolúveis
passam a opor os Poderes, que a Constituição determina serem harmônicos, mesmo
independentes.
Na mais que centenária história da nossa República, a pacificação interna sempre apareceu como objetivo desejável, ainda que os métodos para tentar alcançá-la tenham oscilado, de regimes concentradores de poder e força a regimes que buscaram alguma forma de conciliação entre opostos. Na verdade, esses dois vetores sempre existiram em paralelo, com um polo prevalecendo sobre o outro de acordo com as circunstâncias históricas.
Presidentes que buscaram a pacificação
interna tiveram como prêmio para a posteridade o reconhecimento da História.
Talvez o exemplo mais agudo seja Juscelino Kubitschek, que soube compreender o
papel estratégico da conciliação. Ideia que também orientou nossa transição
mais recente, liderada por Ulysses Guimarães e Tancredo
Neves e consolidada de modo admirável sob o comando do
presidente José Sarney.
Com as velas enfurnadas por esses ventos, a
Nova República plasmou na Constituição Federal de 1988 a ideia de um novo
Estado alicerçado na tese da paz interna e internacional. Para isso, a ordem
que o povo deu por meio dos constituintes às autoridades constituídas foi
“unam-se todos”. As controvérsias sempre existirão, e haverá momentos de
disputa especialmente aguda, mas o método para dirimi-las será o diálogo e a
decisão democraticamente adotada.
Note-se que o texto da Carta embute a
indispensabilidade da oposição, pois seu sentido jurídico-constitucional
determina que ela ajuda a governar, na medida em que critica, contesta,
contradita, contraria, fiscaliza. É natural que haja diferentes correntes de
opinião, distintos grupos com ambição política. Nosso ordenamento
constitucional determina, entretanto, que as diferenças devem ser decididas
pacificamente, de acordo com as leis do país.
E, se vale para os cidadãos, vale também para
as instituições de Estado, que jamais deveriam lançar combustível na fogueira
das paixões políticas. Isso apenas aceleraria a tendência a uma indesejável
radicalização, além de minar a segurança jurídica de que decorre a segurança
social, essencial para os investimentos, o trabalho e o relacionamento entre os
indivíduos e as instituições. Cumprir rigorosamente o sistema normativo é
perseguir a paz.
E o Supremo Tribunal Federal será sempre o
primeiro e maior interessado em cumprir a regra à risca. Até por ser última
instância do Judiciário e guardar a responsabilidade do controle
constitucional.
Não haverá no Brasil desenvolvimento e
justiça social sem paz política, e esta não terá permanência se todos os
segmentos sociais e políticos não se sentirem participantes legítimos do jogo,
submetidos às mesmas regras que os adversários e com possibilidade real de
alcançar seus objetivos dentro da lei e da ordem. É sabido que a força da lei
reside não apenas na força do Estado para impô-la, mas principalmente na crença
social de que ela vale para todos.
Transformar a natural polarização,
característica de todas as sociedades, em radicalização pode gerar prêmios
imediatos em poder e glória, especialmente nesta nossa era de digitalização e
interconexão ubíquas. Mas será ilusão, e, como toda ilusão, passageira. Ainda
que proporcione vitórias eleitorais momentâneas. O exercício do poder com
sabedoria demanda, além da capacidade de exercer a força, o talento para
construir consensos.
Daí decorre o conceito de legitimidade. E
nenhum poder se sustenta sem isso.
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