sábado, 7 de setembro de 2024

Pedro Serrano - O município na Constituição

CartaCapital

A Carta Magna de 1988 reabilitou a autonomia municipal perdida nas décadas anteriores

Em algumas semanas, serão realizadas, em exatamente 5.565 cidades brasileiras, as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores. Dada a grande relevância assumida pelos municípios no nosso pacto federativo, bem como do elevado protagonismo assumido por referidas autoridades municipais na prestação de serviços públicos, no presente artigo trataremos da posição jurídica assumida por esses entes federativos na nossa Constituição.

A primeira questão que se coloca é que a organização político-administrativa do Brasil, intitulada pela Constituição como “república federativa”, compreende a união indissolúvel entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos eles qualificados como autônomos. Em vista da citada premissa normativa, a segunda questão é que a garantia da autonomia constitucional foi assegurada por meio de um complexo sistema de repartição de competências baseado, em linhas gerais, na enumeração das funções da União e dos municípios, cabendo aos estados um campo remanescente.

Mais especificamente, o modelo constitucional de repartição de atribuições entre os entes federados brasileiros foi delineado tendo em vista o princípio da predominância do interesse, segundo o qual cabem à União as matérias de predominante interesse nacional, aos estados as matérias de predominante interesse regional e que não estejam elencadas dentre as competências da União ou dos municípios. Por fim, aos municípios competem os assuntos de interesse predominantemente local.

Para fins de sistematização, nossos manuais costumam consignar que a autonomia municipal se estrutura nas capacidades de auto-organização, de autogoverno, de autolegislação e de autoadministração. Nas referidas capacidades encontram-se caracterizadas a autonomia política (auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (competência para elaboração de leis municipais sobre matérias que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços de interesse local) e, por fim, a autonomia financeira (tributos próprios e aplicação de suas rendas).

A Constituição de 1988 trouxe importantes modificações na estrutura de divisão de funções públicas, recuperando a autonomia dos municípios que havia sido perdida nas décadas anteriores. Não por acaso, nossa Constituição alçou, no mais recente pacto constitucional, os municípios à categoria de ente federado ao referir-se a eles já no seu artigo 1º, quando previu que a república federativa brasileira é formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal.

Tamanha a relevância atribuída aos municípios pela Constituição é que, no nosso entendimento consignado, em especial, na obra Regiões Metropolitanas e Seu Regime Constitucional, discordamos da formulação interpretativa que postula pela possibilidade do estado-membro, no âmbito das regiões metropolitanas, bem como por conta do fenômeno da conurbação e da necessidade da prestação de serviços comuns, poder, por meio da instituição de uma região metropolitana, restringir ou interditar o âmbito de competências inerentes à autonomia municipal.

Com efeito, não há qualquer sentido jurídico, a nosso ver, em se afirmar que a Constituição autorizou o estado-membro a determinar os limites da autonomia dos municípios integrantes da região metropolitana por suas próprias normas. Por estas razões, no interior da região metropolitana, o estado-membro não pode avocar ou ingerir-se no âmbito da competência municipal por conta de suposto interesse regional, bem como sob o fundamento de que, por conta do fenômeno urbanístico da conurbação, o conceito normativo de autonomia municipal sofreria alteração em razão da necessidade de uma integração regional.

Dentro de um regramento constitucional destacadamente municipalista compete aos municípios prestar, dentre muitos outros, os serviços públicos de saneamento, de iluminação pública, os serviços funerários e aqueles relativos ao transporte coletivo. Referidas atividades são, inquestionavelmente, de elevada essencialidade para a coletividade, razão pela qual é dever da cidadania e um compromisso social irrenunciável a participação plena no processo eleitoral em curso. Nossa Constituição depositou nos prefeitos e nos verea­dores o cumprimento de elevada parcela das missões constitucionais, as quais dependem da eleição de mandatários comprometidos com valores irrenunciáveis. 

Publicado na edição n° 1327 de CartaCapital, em 11 de setembro de 2024.

 

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