O Estado de S. Paulo
Se o PT está perdendo a batalha das redes
para seus adversários ideológicos, isso é tarefa para os marqueteiros do
partido, não para o governo com o uso de recursos públicos
Em meio às barbeiragens de fim de ano na política econômica, avançaram nos bastidores do poder federal as maquinações para uma virada de mesa na área da comunicação do governo, escolhida para expiar a culpa pela falta de personalidade do terceiro mandato presidencial de Lula. A troca de comando na Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), atualmente nas mãos do ministro Paulo Pimenta, é dada como certa nos corredores acarpetados de Brasília. Costuma-se dizer que uma boa estratégia de marketing é capaz de vender até gelo no Ártico. O desafio, no caso do governo Lula, talvez seja um pouco maior. Já se passaram dois anos e não há grandes realizações para mostrar.
A falta de identidade do governo reflete-se
na frequência com que Lula recorre ao espantalho da extrema direita para
justificar o seu terceiro mandato e, quiçá, a necessidade de se oferecer em
“sacrifício” para uma quarta temporada no Palácio do Planalto. Afinal, como já
estamos carecas de ouvir do próprio presidente, ele teria sido eleito para
salvar a democracia brasileira e para restaurar políticas públicas “destruídas”
por seu antecessor, Jair
Bolsonaro. Sua decisão de buscar a reeleição está atrelada à
capacidade de “enfrentar uma pessoa de extrema direita”, conforme declarou em novembro. Passou batido qualquer motivo para os
eleitores acreditarem que ele tem uma visão inspiradora para o futuro do País
ou que é preciso dar continuidade ao que o seu governo tem feito até agora.
A ameaça da extrema direita, na retórica de
Lula, é não apenas a razão de ser do seu governo, como serve também de biombo
para esconder suas vergonhas na política externa. Ficou famoso o discurso em
que o presidente do Chile, Gabriel Boric, em reunião paralela à Assembleia
Geral da ONU, em setembro, apontou a postura contraditória de Lula, que
criticou a “extrema direita e suas falsas narrativas” e o “autoritarismo” que
nasce das falhas da “democracia liberal”, mas calou-se para os abusos da
ditadura venezuelana. “Precisamos adotar uma posição única de países
progressistas. Violações de direitos humanos não podem ser julgadas conforme a
cor do ditador de turno”, retrucou Boric.
Por acreditar que sua missão prioritária no
governo é livrar o Brasil do mal da extrema direita, Lula naturalmente supõe
legítimo utilizar a estrutura de comunicação do Estado para tal finalidade. Há
dois problemas aí. O primeiro é o fato de que, para Lula e para o PT, o
conceito de extrema direita é bastante elástico. Ser antipetista, contra o
aborto ou a favor da liberação do comércio de armas para a população, por
exemplo, não basta para uma pessoa ser colocada na categoria da extrema
direita. O extremismo político, seja de direita, seja de esquerda, pressupõe o
rechaço às regras do jogo democrático e o desejo de instituir uma ditadura para
suprimir posições discordantes. Para Lula e para integrantes do seu partido,
porém, muitas ideias defendidas pela direita democrática são “extremistas”.
O segundo problema é que Lula confunde
retórica de extrema direita com desinformação. Para ele, combater as fake
news é a mesma coisa que combater a extrema direita. Trata-se de um
descalabro, pois o uso de desinformação não é exclusividade da extrema direita.
As fake news também servem ao jogo sujo da informação da extrema
esquerda, assim como, não raramente, da esquerda ou da direita não
autoritárias. Lula não apenas ignora isso como se ressente da superioridade da
estratégia de comunicação de seus adversários políticos nas redes sociais. “O
PT tem culpa e o meu governo tem culpa porque a gente não pode permitir em
nenhum momento que alguém que pense como a extrema direita no nosso País tenha
mais espaço nas redes sociais do que nós”, disse ele em seminário do PT no início de dezembro.
O conceito elástico que Lula tem da extrema
direita e o fato de ele achar que combatê-la é o mesmo que lutar contra
as fake news acabam servindo como justificativa para usar os canais
oficiais do governo para fins partidários. Isso é perigoso e equivocado. A
função da Secom não é combater ideologias contrárias à do governo que ela
representa. Sua tarefa é comunicar as atividades e realizações do Poder
Executivo e relacionar-se com a imprensa de forma a garantir a transparência e
a liberdade de expressão. Reagir a informações fraudulentas a respeito de atos
do governo faz parte do pacote. Os canais oficiais e a propaganda
governamental, contudo, não podem servir para disputas ou desígnios partidários
– que é o que acaba acontecendo quando se enxerga fake news apenas em
um lado do espectro político ou quando se trata qualquer posicionamento
ideológico contrário ao do partido no poder como extremismo. Se o PT está
perdendo a batalha das redes para seus adversários ideológicos, isso é tarefa
para os marqueteiros do partido, não para o governo com o uso de recursos
públicos.
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