segunda-feira, 27 de outubro de 2025

50 anos numa noite mágica e cidadã, por Juca Kfouri

Folha de S. Paulo

Estavam lá os órfãos, o presidente da República e a do STM, que pediu perdão

Eloquentes foram as ausências do governador de São Paulo e do prefeito do capital

No sábado (25), à tarde, o Corinthians ganhou do Vitória, se afastou do risco de queda e aliviou o Santos.

À noite, o Flamengo conseguiu perder para o Fortaleza e alegrar o Palmeiras, que estava murcho com o desastre de Quito.

Também à noite, o São Paulo ganhou bem do Bahia.

Mais: a Ponte Preta ganhou sua primeira taça nacional em 125 anos de história, ao ser campeã da Série C.

De quebra, neste domingo, João Fonseca foi campeão no ATP 500 da Basileia, na Suíça.

Convenham, a rara leitora e o raro leitor, que assuntos não faltaram para a coluna, que dos cinco eventos citados viu dois, o que envolveu o sofrido e assaltado, pelos cartolas, Corinthians, e o do magnífico jovem tenista brasileiro.

A derrota rubro-negra e a vitória tricolor concorreram com o que de mais importante aconteceu na vida brasileira no fim de semana, mais importante até que o encontro entre Lula e Trump.

Porque na noite de sábado, na Catedral da Sé, os dois órfãos de Vladimir Herzog, Ivo e André, voltaram ao palco onde, em 1975, aconteceu o culto ecumênico que marcou o início da redemocratização do Brasil. Estavam acompanhados do neto e das netas de Vlado, a quem novo ato inter-religioso homenageou.

Diferentemente de meio século atrás, o Estado se fez presente, com o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, autor de discurso sóbrio, ao seu estilo, e firme: "Não esquecer, para jamais se repetir".

Antes dele, o rabino Uri Lam também falou com coragem e altivez, digno representante de Henry Sobel.

Vlado, como se sabe, era judeu, mas nem a Conib nem a Federação Israelita de São Paulo mandaram representantes ao ato, assim como foram eloquentes as ausências do governador de São Paulo e do prefeito do capital, como se não coubessem em cerimônia contra a tortura, pela democracia e pela paz.

Mas lá estavam, na memória de todos, as gigantescas figuras dos bravos dom Paulo Evaristo Arns, do reverendo presbiteriano Jaime Wrigth e do então presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, Audálio Dantas, comoventemente aplaudidos em pé pela catedral lotada.

Tudo entremeado com a bela cantoria do Coro Martin Luther King, entre Marias e Clarices, heroínas do Brasil.

Aliás, das Marias, esteve também a presidenta do Superior Tribunal Militar, Maria Elisabeth Rocha, que em curta e arrepiante fala pediu desculpas por todos os erros cometidos pela corte que ora preside contra os que foram torturados e mortos pela ditadura instalada em 1964.

Delirantemente aplaudida, assim como o juiz Márcio José de Moraes, que, ainda em 1987, teve a coragem de condenar a União pelo assassinato de Vlado.

A carta ao magistrado, de dona Zora, mãe de Herzog, na voz de Fernanda Montenegro, em agradecimento pela histórica sentença, fez chorar boa parte dos presentes.

Quem esteve na catedral 50 anos atrás e voltou agora não pôde deixar de comparar o clima de medo de então com o de agora. Apesar de tudo, avançamos.

E avançamos a ponto de impedir que haja anistia aos que, em 8 de janeiro de 2023, quiseram repetir a barbárie instalada em 1964, algo que, também em uníssono, no ato comandado pelo bispo de São Paulo, Odilo Scherer, ficou patente.

Enfim, uma goleada cidadã e democrática.

 

 

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