Folha de S. Paulo
PL da Dosimetria passa mensagem ruim ao
sugerir que STF errou ao condenar golpistas dentro dos parâmetros legais
Proposta legislativa tem entretanto o mérito
de não constituir uma anistia ampla, como queriam os bolsonaristas
Sou um abolicionista penal. Por mim, só
manteríamos atrás das grades criminosos irremediavelmente violentos, incapazes
de viver em sociedade. Para os demais, teríamos de encontrar penas diferentes
do encarceramento.
Minha posição pode parecer utópica, mas é só o prolongamento de uma tendência já em curso há uns três séculos. Na Inglaterra de Shakespeare, a sanção usualmente aplicada a condenados por traição era enforcamento, afogamento e esquartejamento —e, idealmente, o réu deveria chegar ainda respirando à última parte do castigo. Hoje, à exceção dos EUA, todos os países desenvolvidos pararam de utilizar a pena de morte, e os índices de criminalidade são uma fração do que eram no passado.
Mas deixemos de lado o mundo como eu gostaria
que fosse e discutamos o mundo como ele é. O PL da
Dosimetria recém-aprovado pelo Legislativo é um avanço ou um
retrocesso? Eu diria que, pelo timing, a mensagem transmitida pelo PL é ruim.
Ela sugere que o STF errou
ao condenar os golpistas dentro dos parâmetros legais fixados pelo próprio
Legislativo há menos de cinco anos. Não creio que tenha errado. A intervenção
dos parlamentares deixa a sensação de que o sistema se dobra aos interesses de
políticos poderosos, o que não deveria ocorrer numa República séria.
Mas os 27 anos de
cadeia para Bolsonaro não eram um exagero? Se exercícios
comparativos servem para algo, vale destacar que Alemanha, Canadá, França e
Reino Unido preveem até prisão perpétua para autores de golpes frustrados. As
sanções da legislação pátria não parecem configurar caso de punitivismo
exacerbado.
Reconhecendo que o Brasil não é mesmo uma
República séria, podemos respirar aliviados. Em primeiro lugar, foi descartada
a anistia ampla pretendida pelos bolsonaristas. Não menos importantes, as reduções de
pena não são automáticas. Os presidiários terão de entrar com
ações de revisão criminal, e o STF terá algum espaço de manobra para recalcular
as penas segundo os novos parâmetros. Em suma, poderia ter sido muito pior.
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