sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Constituinte exclusiva é salto no escuro – Editorial / O Globo

É característica das Constituições a intocabilidade. Quanto mais perene o texto da Carta, maior a estabilidade jurídica de uma sociedade. Não que se deva, de forma dogmática, decretar o engessamento de qualquer constituição. Tanto que há regras, em todo país democrático, para sua alteração - geralmente exigências difíceis de atender, pois uma revisão constitucional, por menor que seja, precisa refletir um consenso construído na sociedade, depois de exaustivo debate.

Não foi por outro motivo que a atual Constituição brasileira, a da redemocratização, promulgada em 1988, previu um prazo para depois do qual pudesse ser revista sem as tais exigências: ou seja, adesão de três quintos (60%) dos votos na Câmara e no Senado, com dois turnos de votação em cada Casa. Na fase de revisão era possível aprovar propostas em turno único, em sessões unicamerais do Congresso, por maioria absoluta (50% mais um voto). O sábio dispositivo pressupunha a correta ideia de que, passado aquele período, não mais seria possível, como não é, alterar a Carta, a não ser pelos caminhos usuais.

A ideia de uma "miniconstituinte" ou "constituinte exclusiva" para a realização da propalada reforma política surgiu no PT, foi incluída no programa do partido e transposta para as propostas de governo da candidata Dilma Rousseff. No debate entre candidatos promovido quarta-feira pela "Folha de S.Paulo"/UOL, Dilma defendeu o mecanismo, com apoio de Marina Silva e crítica, rápida, de José Serra. Para o candidatos tucano, não se deve confiar na exclusividade dessa constituinte.

Tem razão o tucano, porque há no PT frações que rezam pela cartilha chavista, e não pode ser esquecido que Chávez e seus seguidores Evo Morales e Rafael Correa, ao assumir, no auge da popularidade, conseguiram convocar constituintes, para começar a garrotear a democracia - e com base na lei, de maneira diabólica.

Muito difícil pensar que o mesmo se repita no Brasil, devido à solidez das instituições republicanas do país, ao contrário das venezuelanas, bolivianas e equatorianas. E também todos os candidatos mais importantes fazem profissão de fé na democracia. Mas sempre vale a lembrança.

A questão a saber é se existem condições para uma miniconstituinte destinada a rever a legislação da vida político-partidária. Reeleição? E em quantos mandatos consecutivos? Financiamento público de campanha? Votação em lista? Ora, como inexiste conhecimento amplo sobre estes e outros temas, logo, também não há consensos. Há uma exceção no financiamento público, rejeitado majoritariamente nas pesquisas de opinião. O povo pode não saber de detalhes do mecanismo, mas intui que ele não acabaria com o caixa dois.

Portanto, o mais sensato, sem prejuízo de debates durante a campanha, é não levar a sério a proposta de constituintes exclusivas, mais ainda para tratar de temas ainda obscuros. Se projetos de alteração da Carta não conseguem ser aprovados será erro crasso abaixar as barreiras para viabilizá-los. Assemelha-se a aumentar o tamanho do gol para se desempatar uma partida.
Atalhos desse tipo sempre levam a saltos no escuro.

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