Possível
condenação de ex-ministro como mentor do mensalão deve consolidar novos
parâmetros para a criminalização de autoridades mesmo sem prova material;
Supremo deverá concluir que "capitão" de time do primeiro governo
Lula não tinha como ignorar esquema de compra de votos
Superpoderes
de Dirceu na Casa Civil balizam votos por condenação no STF
Hora da
sentença.Provável punição de ex-ministro por corrupção levará Supremo a
consolidar novos parâmetros para autoridades serem responsabilizadas por crimes
mesmo sem prova material; Corte deve concluir que "capitão" de Lula
não tinha como ignorar esquema
Mariângela Gallucci, Eduardo
Bresciani
BRASÍLIA - Os poderes
tentaculares e quase sem digitais do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu
operaram uma mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A Corte
deverá consolidar novos parâmetros para a responsabilização de autoridades
públicas que cometeram crimes sem deixar rastros de seu envolvimento com a
provável condenação,
nestasema-na,do"capitãodotime"dopri-meirogovernodoex-presiden-teLuiz
Inácio Lula da Silva por participação no mensalão.
Não há contra Dirceu
prova material do envolvimento, como uma assinatura ou a gravação de uma
conversa comprometedora. Mas seus encontros regulares com réus dos diferentes
núcleos do esquema e sua ascendência sobre o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares
farão com que o tribunal corrobore a tese da acusação de que ele tinha o
"domínio funcional do fato". Os ministros deixarão claro que é
impossível que José Dirceu, o mais poderoso dos ministros no primeiro governo
Lula, não soubesse do esquema de compra de votos, visto que era seu papel a
articulação política da base aliada.
Em seu voto, o
relator do processo, Joaquim Barbosa, destacou o trânsito de Dirceu com
diversos dos réus, a maioria já condenada. "José Dirceu manteve
encontros-chave com todos esses personagens intermediários que, a seguir,
executaram a tarefa de disponibilizar os recursos de aparência lícita e
efetivar os repasses das vantagens indevidas aos parlamentares da base
aliada." Mereceu destaque especial a relação do ex-ministro da Casa Civil
com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o operador do esquema. Além
de ter participado de reuniões no Planalto, Valério é apontado por dirigentes
bancários como Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, e Ricardo
Guimarães, ex-presidente do BMG, como um facilitador no acesso ao governo e
responsável por agendar reuniões com o ex-ministro.
"Diante de todo
esse contexto de proximidade entre José Dirceu e Marcos Valério, considero
impossível acolher a tese de que José Dirceu simplesmente não sabia que Marcos
Valério vinha efetuando pagamentos em espécie, em nome do Partido dos
Trabalhadores, aos líderes parlamentares da nova base aliada", afirmou o
relator do processo. Nas alegações finais, o procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, já tinha sustentado que Dirceu era o chefe do esquema, ainda que
não tivesse deixado rastros. "O autor intelectual não fala ao telefone.
Age por intermédio de laranjas. Não se relaciona diretamente com agentes
secundários. Não deixa rastros facilmente perceptíveis de sua ação."
Domínio do fato
O Supremo não tem uma
tradição em julga-mentos de processos penais. Poucas vezes a Corte discutiu a
chamada teoria do domínio do fato. Por meio dessa teoria, é possível condenar
uma pessoa que não tenha executado diretamente um crime se houver indícios de
que ela tinha conhecimento do ocorrido, poder de determinar ou impedir os atos
e de que seu desejo influiu para a realização das ações criminosas.
Num julgamento
recente, os ministros trataram do assunto ao condenar o deputado Asdrúbal
Bentes (PMDB-PA) por envolvimento com a prática de esterilização cirúrgica
irregular de eleitoras durante a campanha de 2004 à Prefeitura de Marabá. Ao
pedir a condenação, o procurador Roberto Gurgel observou que os crimes
praticados no contexto eleitoral são dissimulados e não ocorrem às claras,
sendo impossível colher uma prova direta da autoria. "As provas que
instruem os autos não deixam dúvidas de que o denunciado é o mentor da
cooptação de votos." A defesa de Dirceu contesta o uso dessa teoria.
A justificativa para
as reuniões com banqueiros com a presença de Valério é que teriam sido estes os
responsáveis por levar o empresário. Ressalta ainda que o ex-ministro tinha se
afastado do PT e não tinha o poder formal de dar ordens a Delúbio. Para o
advogado José Luís Oliveira Lima, mesmo para a teoria do domínio do fato
exigem-se provas e a tese não deveria ser aplicada ao seu cliente. "José
Dirceu não pode ser condenado pelo fato de ter sido um político importante nos
últimos 40 anos e desempenhado relevante papel na eleição e no primeiro mandato
do presidente Lula."
Fonte: O Estado de S.
Paulo
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