Há palavras e expressões que, de tanto serem ditas e pronunciadas, perderam o sentido. Na boca desse novo tipo de sofista moderno que são os nossos parlamentares, vocábulos como "sustentabilidade", "justiça social", "educação pública de qualidade", "reforma tributária" e outros similares, tornaram-se moedas gastas que não valem mais nem pela liga de metal de que são feitas. Quando Everardo Maciel foi Secretário da Receita Federal, perguntaram-lhe o que era a reforma tributária. Ele respondeu que era um mito. Ou seja: não havia nenhuma reforma tributária. Na verdade era um jogo onde um diminuia a sua parte e o outro aumentava a sua. Como ninguém queria perder receita e todos queriam aumentar a sua receita, não havia, pois nenhuma reforma plausível. Claro que se esqueceram de lembrar ao Secretário que a receita da União era proveniente de confisco salarial, não da mera arrecadação d os impostos.
Num dos últimos cálculos do IBET, a nossa carga tributária beirava a casa dos 36 ou 37% do PIB. O que representava quatro meses e meio de trabalho de cada contribuinte brasileiro. Sendo que a União abocanha perto de 60% do bolo tributário, cabendo aos municípios a menor fatia. Ultimamente, houve uma pequena movimentação dos governadores em Brasília em busca de uma reforma na distribuição das receitas fiscais pela União, sobretudo das contribuições parafiscais e extrafiscais, pois estas não são compartilhadas com as unidades subnacionais.
O que não se discute é a magnitude da renúncia fiscal, praticada por estados e municípios, e suas consequências para a atividade financeira dos entes públicos. E aí tem destaque a longa redução do IPI, a redução do ICMS e a cessão unilateral de receitas municipais e estaduais como forma de atração de investimentos privados. Este é a meu ver o ponto crítico que permite gestores posarem de "paladinos da justiça tributária e fiscal" e ao mesmo tempo se comportarem como os "Hobin Hoods" invertidos (os que tiram dos mais pobres para dar aos mais ricos). Quem quiser que defenda este modelo como forma de desenvolvimento social e econômico. Não compartilho com essa forma de pensar. Nunca imaginei que se oferecesse renúncia fiscal a empresas de transportes urbanos como meio de melhorar a qualidade do transporte público e atrair mais passageiros para essa modalidade de locomoção.
Achava qual e mais eficaz era taxar o uso e a aquisição de carros particulares, que abarrotam as nossas vias, em detrimento do bom transporte público. Mais aí vem o governante - em plena pré-campanha política - e diz na TV que é reduzindo o imposto (como?) do transporte público e concedendo favores fiscais a motandoras internacionais de veículos, que vamos resolver o problema da mobilidade em nossas cidades!
O que é mais grave disso tudo é que a discussão da reforma tributária e de um novo pacto federativo estão, sim, na ordem do dia. O atual modelo de arrecadação (impostos indiretos), que incidem sobre alimentos ou a retenção na fonte de impostos nos contracheques dos servidores públicos, não respeita o princípio da capacidade contributiva, não observa o principio da equidade e grava mais pesadamente quem trabalha e consomem alimentos, deixando de fora os bancos, o latifúndio improdutivo, a especulação financeira, as grandes fortunas etc.
Quando os governantes estaduais praticam a chamada "guerra fiscal" fazem aquilo que se chama "jogo de soma zero", ninguém ganha. Todos perdem. Um jogo em que todos "possam ganhar" tem outro nome e outra lógica bem diferentes. Mas enquanto os jogadores utilizarem a "reforma tributária" e o novo "pacto federativo" como mera retórica política em pré-campanha eleitoral, continuaremos perder - todos nós - inclusive os pretensos candidatos a paladinos a justiça social.
Michel Zaidan Filho, sociólogo e professor da UFPE.
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