Há uma notável diferença de tom entre a mensagem da presidente do Brasil ao cardeal Ratzinger, por ocasião de sua renúnica como papa Bento XVI, e a que ela enviou ao sucessor Francisco, logo que foi escolhido. A primeira é protocolar, quase seca; a segunda visivelmente mais calorosa. Dilma Rousseff estará na missa de sagração, na terça-feira, e terá encontro reservado com o novo pontífice. Ela busca uma nova relação com o Vaticano. Não espera ganhar votos de católicos em 2014 com esta aproximação mas, pelo menos, evitar a hostilidade sutil esboçada pela Igreja à sua candidatura em 2010.
Recordando a mensagem a Ratzinger: “Ao findar o seu Papado, manifesto o meu respeito pela decisão de Vossa Santidade de renunciar à Cátedra de S. Pedro”. Ela cita alguns marcos do pontificado em relação ao Brasil, como a realização da CELAM em Aparecida, a canonização de Frei Galvão e a próxima Jornada Mundial da Juventude, no Rio. Termina com um protocolar “desejo que essa nova fase de recolhimento o encontre com saúde e paz”. Já para o novo papa Dilma escreveu: “Em nome do povo brasileiro, congratulo o novo papa Francisco I e cumprimento a Igreja Católica e o povo argentino. Maior país em número de católicos, o Brasil acompanhou com atenção o conclave e a escolha do primeiro papa latino-americano. É com expectativa que os fiéis aguardam a vinda do papa Francisco I ao Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude, em julho. Esta visita, em um período tão curto após a escolha do novo pontífice, fortalece as tradições religiosas brasileiras e reforça os laços que ligam o Brasil ao Vaticano”. Faltou dizer que fez a primeira comunhão quando estudava no Colégio Nossa Senhora de Sion de Belo Horizonte.
No círculo presidencial, a estratégia é confirmada. Ela foi dos primeiros governantes do mundo a confirmar presença em Roma e para isso cancelou uma viagem interna e antecipou parcialmente a mudança ministerial, deixando as pendências com o PR e o PSD para resolver depois que voltar ao Brasil. O Governo pretende oferecer todo o apoio logístico e material de que a Igreja precisar para a realização do grande evento que será a Jornada Mundial da Juventude, em julho, no Rio.
Dilma, confirma um colaborador, quer deixar para trás as fricções mal dissimuladas que teve com a Igreja na eleição de 2010, que chegaram a contar com uma manifestaçao do próprio Papa Bento XVI, recebida como restrição à sua candidatura, que ao longo do ano havia dividido os bispos brasileiros. Se ela tinha o apoio de progressistas como Dom Tomás Balduino e Dom Demétrio, conservadores liderados pelo paulista Nelson Westrupp chegaram a lançar um manifesto enumerando atos do PT a favor do aborto e condenando sua candidatura. Alguns padres pregaram contra ela nas missas, por conta de antigas declarações relacionadas ao aborto. A três dias do segundo turno, Bento XVI recebeu a visita de bispos do Maranhão, dentro de um calendário de prestação de contas. Fez-lhes um discurso focado na condenação ao aborto, em que disse: “Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático é atraiçoado nas suas bases”. Acrescentou que, nestes casos, “os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”. Não citou Dilma, mas autorizou a ação dos dogmáticos. A campanha dela, na reta final, redobrou os esforços para neutralizar a imagem de candidata pró-aborto.
Reconstruindo sua relação com a Igreja, ela já de fato ganhará se conseguir, pelo menos, evitar a repetição daquele clima hostil, que certamente favoreceu Marina Silva, evangélica e antiaborto.
Cristina e Bergoglio
Se Dilma foi efusiva com Francisco, a presidente argentina Cristina Kirchner enviou mensagem tida na Argentina como fria, quase gélida. Novamente, para recordar: saudou-o em seu próprio nome, em nome do governo e em representação do povo argentino, desejando “uma frutífera tarefa pastoral” ao assumir “tão grandes responsabilidades em prol da justiça, da igualdade e da fraternidade”. O cardeal Bergoglio teve atritos com o casal Kirchner por causa do aborto e da união entre pessoas do mesmo sexo, regulamentada na Argentina.
A escolha, em verdade dividiu o kirchnerismo. Alguns ajudaram a alimentar as notícias de que Bergoglio foi omisso durante a ditadura, tendo até contribuído para a queda de dois padres jesuítas, contestadas por nota oficial do Vaticano na sexta-feira. Outros o defenderam, atestando que ele ajudou como pode, inclusive apelando ao ditador Videla em favor de presos e perseguidos. Gabriel Mariotto, vice-governador de Buenos Aires, muito próximo de Cristina, exagerou: “É um papa peronista, com grande militância em favor dos mais pobres e do Terceiro Mundo”.
Mas Cristina também estará na sagração em Roma, em lugar destacado, chefiando comitiva que incluiu deputados da oposição.
A omelete
Os “ajustes” no ministério serão concluídos quando Dilma voltar de Roma, mas o essencial já foi feito. A prioridade dela, no início do ano, era derrotar o “queremismo” de parte do PT, que pedia a volta de Lula, fincando a bandeira de sua candidatura. Isso antecipou a campanha, o que tem custos, mas foi feito. O segundo ponto era consolidar a aliança com o PMDB, retificando a proeminência do vice Michel Temer como interlocutor. Foi feito na convenção do dia 2. Por fim, os ajustes no governo para melhorar a representação do PMDB e assegurar o apoio do que o Planalto chama de “partidos complementares da coalizão”. Os pequenos. Dilma contemplou o PMDB mineiro escolhendo Antonio Andrade para o Ministério da Agricultura. Ele tem perfil para o cargo e força política no partido em Minas. Prestigiou Michel deslocando Moreira, ligado a ele, para a Secretaria de Aviação Civil, cargo com maior poder executivo. E trocou Brizola Neto por Manoel Dias, do grupo majoritário do PDT. Na volta de Roma, tratará do PSD e do PR. Por ora, uma pequena omelete.
Fonte: Correio Braziliense
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