• Presidente do partido, porém, não exclui possível reação do governo federal, como anunciou Dilma
Carolina Mandl, André Guilherme Vieira e Rodrigo Polito - Valor Econômico
SÃO PAULO e RIO - Um dia depois de a presidente Dilma Rousseff afirmar que tomaria uma atitude "bastante clara" em relação ao banco Santander, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, disse ontem ao Valor que "não há qualquer orientação do partido no sentido de promover boicote ou retaliação ao banco Santander, no âmbito dos governos municipais e estaduais administrados pela legenda". O presidente do partido não se manifestou sobre possível reação do governo federal, como apontara Dilma.
O banco espanhol enviou a clientes de alta renda, juntamente do extrato bancário, uma análise de investimento que relacionava eventual avanço da presidente nas pesquisas eleitorais e uma deterioração dos fundamentos macroeconômicos do país.
Ontem, a presidente e candidata à reeleição se silenciou sobre o caso, enquanto, no mercado, a forte repercussão política do episódio levou a uma atitude de preocupação e acautelamento em relação à forma como as recomendações de investimento serão produzidas e divulgadas a partir de agora.
"Vemos com alguma preocupação que algum trabalho técnico seja eventualmente assimilado como uma peça política", diz Reginaldo Ferreira Alexandre, presidente da Apimec Nacional, associação dos analistas. "Somos defensores da livre expressão desde que respeite limites éticos." Para o presidente da Apimec, faz parte da função do analista incorporar informações políticas a estudos. "A expectativa política é sempre importante na avaliação de ativos."
Para o sócio de um banco de investimento, é inegável que as casas de análise passem a redobrar seus cuidados na hora de fazer recomendações. "Numa economia sem tanta interferência do governo, o analista escreve à vontade. Aqui é diferente porque o setor bancário sofre interferência", diz ele. Para o executivo, a cautela deve se intensificar pelo fato de a presidente figurar como favorita à reeleição.
Isso não significa, porém, que corretoras e bancos vão deixar de incorporar o cenário político a suas projeções. "Tenho de fazer esse tipo de projeção. Não posso ser omisso para meus clientes em relação às eleições", afirma um chefe de análise de um banco.
Em uma corretora, analistas marcaram uma reunião e aguardavam orientações sobre como proceder em relação às leis eleitorais. Havia dúvidas sobre se terão de mudar a forma como os relatórios são produzidos. A avaliação interna é que a situação é preocupante especialmente para a cobertura de empresas que atuam em setores regulados e com um grande número de companhias estatais, como Petrobras e a Eletrobras.
As ações dessas empresas têm sido influenciadas pelas pesquisas eleitorais. Uma analista afirmava, porém, não estar mais segura se poderia associar as oscilações das ações às pesquisas de intenção de voto nos relatórios que escreve e que são enviados aos seus clientes. "Se eu não puder dizer isso, o que eu vou dizer então?"
Em uma grande consultoria, os analistas ouviram da direção que poderiam seguir traçando cenários atrelados à corrida eleitoral, mas foi reforçada a necessidade de submeter os relatórios aos chefes de setor antes da publicação.
Para a assessora do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Maria Aparecida Carneiro, se for um economista, o profissional do Santander que escreveu a análise "agrediu normas da profissão". O banco não esclareceu a formação do funcionário. Segundo Maria Aparecida, o funcionário desenhou um "cenário político-econômico-financeiro sem quaisquer dados". O caso pode tomar outras proporções caso o responsável pelo texto não seja um economista, pois nesse caso haveria exercício ilegal da profissão.
Procurada, a Comissão de Valores Mobiliários disse que a regulação da autarquia se destina à análise de valores mobiliários para investidores, "e assim, não se estende a recomendações em geral, como as do episódio mencionado".
Ontem, em evento no Rio de Janeiro, o presidente do conselho de administração do Santander, Emilio Botín, afirmou que já foram tomadas as medidas necessárias em relação ao informe.
"[O informe] É uma resposta de um analista. Não é uma resposta do banco Santander. Nós tomamos as medidas necessárias. O presidente do banco no Brasil [Jesús Zabalza] já comunicou as autoridades que ficamos muito chateados que isso tenha acontecido e já enviou uma carta à presidente Dilma", disse o executivo, demonstrando irritação com o tema. O executivo participou de um encontro de 1.200 reitores de universidades, sem a presença de representantes do governo federal.
Entre as medidas tomadas pelo banco, o Valor apurou que o Santander dispensou ao menos dois funcionários responsabilizados pelo episódio. O trabalhador que escreveu o texto e seu superior responsável por aprovar o conteúdo que fazia parte do extrato. Ambos trabalhavam no segmento Select, criado em abril de 2013, com um investimento de R$ 150 milhões, para atender clientes com mais de R$ 10 mil de renda mensal.
Durante o evento, Botin falou da saída de um funcionário. "A pessoa que se demitiu se demitiu porque o banco falou que ela tinha que se demitir porque fez uma coisa errada."
Segundo uma pessoa a par do assunto, o banco avaliou que os funcionários exorbitaram suas funções, porque não deveriam fazer análise de investimento. O texto, segundo essa pessoa, não refletia posição do departamento de pesquisa do banco ou posição institucional. O texto dos extratos era enviado a clientes sem passar por outra área do banco, procedimento que agora mudará, para se ampliar o controle.
No campo político, o único caso de encerramento de convênio com o Santander ocorreu em Osasco, município da Grande São Paulo, que prevê a arrecadação de R$ 1,9 milhão em taxas e tributos municipais até o final de 2014.
A secretaria de Finanças do município informou que a suspensão ocorreu após uma série de reclamações sobre os serviços iniciadas em 2013. A assessoria do prefeito Jorge Lapas nega que a rescisão tenha qualquer relação com o episódio envolvendo a presidente.
Por meio da assessoria de imprensa, o diretório estadual do PT em São Paulo reiterou a posição do presidente Emidio de Souza, de que não há nenhuma recomendação aos prefeitos para que rescindam contratos, convênios ou parcerias com o Santander.
As prefeituras de Santo André, Cubatão e São José dos Campos mantêm contratos com o Santander para a folha de pagamento de seus servidores. As administrações informaram que por enquanto não há intenção de interromper os contratos.
(Colaboraram Vanessa Adachi, Thais Folego, Claudia Facchini, Natalia Viri e Eduardo Campos, de São Paulo e Brasília)
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