- O Estado de S. Paulo
A mão direita, trêmula, move-se com o indicador esticado até o primeiro botão, no alto à esquerda, do teclado da urna eletrônica. Titubeia por um instante e desce para a tecla imediatamente abaixo. Pressiona-a e vai para o botão à direita. Aperta novamente: 4 + 5.
Aparecem na tela da urna as fotos de Aécio Neves (PSDB), sorridente, e de Aloysio Nunes (PSDB), de terno preto. A mão desce até a tecla verde e confirma: “Fim”.
Quando o dono da mão deixa a cabine de papelão, vê-se pregado na lapela do seu paletó caqui o adesivo da campanha de reeleição de Dilma Rousseff (PT). Na foto, a presidente está ladeada pelo seu candidato a vice – e presidente do PMDB-, Michel Temer. A cena está registrada em vídeo e publicada no Youtube.
A assessoria do senador José Sarney (PMDB) nega que a mão pertença ao ex-presidente da República – apesar das evidências em contrário no vídeo da TV Amapá. Um assessor disse ao repórter Chico de Gois, de O Globo, que isso é “jogo sujo” da política local. Lembrou que a maior diferença da petista sobre Aécio foi na terra natal dos Sarney, o Maranhão: 79% dos votos válidos.
O episódio veio a público, através das redes sociais, no mesmo momento político em que o PMDB de Sarney e Temer impingia à presidente a primeira derrota na Câmara após sua reeleição. Não foi uma derrota qualquer nem o momento foi fortuito. Os peemedebistas escolheram tema e ocasião para maximizar o simbolismo. Cancelaram um decreto presidencial que cria formas de participação e representação popular fora do Congresso.
Foi um recado de que o PMDB pretende manter o comando da Câmara e do Senado na próxima legislatura e de que não aceita compartilhar seu poder com mecanismos de consulta popular – como por exemplo fazer uma reforma política via plebiscito, como a presidente propôs em seu discurso de vitória.
Por um acordo que parece ter caducado, PT e PMDB se alternariam na presidência da Câmara. Os petistas elegeram a maior bancada, mas os peemedebistas se articulam com outras siglas para montar um bloco, passar o PT efazer Eduardo Cunha presidente em 2015.
O presidente comanda a pauta de votação. Foi o atual, Henrique Eduardo Alves (PMDB), que pôs para votar o projeto que anula o decreto de Dilma. Ele perdeu a eleição para o governo do Rio Grande do Norte e, pela primeira vez em quatro décadas, não terá uma cadeira na Câmara a partir do próximo ano. Não pretende ficar sem gabinete, porém. Foi seu jeito de exigir compensação.
Esse foi só um round da luta por nacos de poder em curso na Brasília pós-eleição. Aproveitando o discurso de divisão do País e o crescimento eleitoral da oposição, os peemedebistas estão tentando estender para os próximos quatro anos de governo Dilma o papel de fiel da balança que exerceram na campanha, quando alugaram seu tempo de propaganda na TV à campanha petista.
Demonstrações de força agora são uma maneira de alavancar maior participação na distribuição de ministérios e cargos nas estatais e afins. Esses cargos implicam a gestão de contratos e verbas, obviamente. É a velha tática de criar dificuldades para vender facilidades. A mão que bate é mesma que afaga.
Importa pouco o que o cidadão Sarney faz na intimidade da urna – mesmo que essa intimidade e o direito ao sigilo do voto tenham sido quebrados pelas câmeras de TV. O cidadão pode votar de acordo com sua preferência pessoal. Já o político tem que cumprir acordos, principalmente aqueles com quem não simpatiza, mas, por conveniência, apoia. Por comparação aos demais caciques peemedebistas, o ex-presidente é dos mais leais a Dilma.
Ele não será mais senador em 2015. Seu afilhado Edison Lobão não deverá ser mais o ministro das Minas e Energia. Por isso, não seria surpresa se Sarney emplacasse outro ministério no quarto governo do PT – mesmo que sua mão tenha votado no PSDB.
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