Juros sobem antes do previsto
• BC surpreende analistas e eleva taxa básica a 11,25% ao ano, citando riscos para 2015 e 2016
Gabriela Valente – O Globo
BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - Na primeira reunião após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o Comitê de Política Monetária (Copom) contrariou todas as expectativas e surpreendeu ao aumentar a taxa básica de juros (Selic) de 11% para 11,25% ao ano. A decisão rachou a cúpula do Banco Central. Foram cinco votos favoráveis ao aperto da política monetária contra a inflação e três pela manutenção dos juros. A alta foi vista por analistas como o primeiro gesto de Dilma para responder às críticas em relação à condução da política econômica. E como um sinal de que o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, permanecerá no cargo.
- Essa é a primeira grande ação de política econômica do segundo mandato de Dilma, antes mesmo do anúncio do novo ministro da Fazenda. O governo quer enviar um sinal ao mercado de que não está para brincadeira no combate à inflação, sobretudo quando esse assunto foi um tema importante da eleição que acabou de acontecer - afirmou o economista-chefe da corretora Gradual, André Perfeito. - Se Tombini está fazendo isso, é para mostrar que ele continuará à frente do BC.
Em sua avaliação, o governo está tentando se antecipar às pressões inflacionárias esperadas para os próximos meses, como reajuste nos combustíveis e racionamento de água. Ele acredita que esse é o primeiro passo de uma sequência de altas que deve levar a Selic a 12% ao ano dentro de quatro reuniões.
Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do BC, ressaltou ainda que a autoridade monetária está se antecipando também a um aumento dos juros nos Estados Unidos, esperado para meados de 2015, que deve elevar a cotação do dólar.
- O BC tenta recuperar o tempo perdido. A eleição já passou, e não tem mais motivo de se preocupar com o eleitor - alfinetou o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
Sinal positivo para o mercado
Em seu comunicado, o Copom justifica sua decisão afirmando que a alta recente do dólar terá um impacto nos preços internos e que subir os juros agora seria um jeito de garantir que a inflação se comporte bem nos próximos dois anos. "Para o comitê, desde sua última reunião, entre os outros fatores, a intensificação dos ajustes de preços relativos na economia tornou o balanço de riscos para a inflação menos favorável. À vista disso, o comitê considerou oportuno ajustar as condições monetárias de modo a garantir, a um custo menor, a prevalência de um cenário mais benigno para a inflação em 2015 e 2016."
Na reunião, cinco membros do Copom, inclusive Tombini, defenderam a alta de 0,25% na taxa básica: Aldo Mendes (Política Monetária), Carlos Hamilton (Política Econômica), Anthero Meirelles (Fiscalização) e Sidnei Corrêa Marques (Organização do Sistema Financeiro). Já os diretores Altamir Lopes (Administração), Luiz Awazu (Assuntos Internacionais) e Luiz Edson Feltrim (Relacionamento Institucional) votaram pela manutenção dos juros em 11% ao ano.
- É uma decisão para ancorar as expectativas. Reforça a crença de que vamos atingir a convergência para a meta - avalia o economista-chefe da Votorantim Asset, Roberto Padovani.
Nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 6,75%. A meta de inflação este ano é de 4,5% com margem de tolerância de dois pontos percentuais.
Apesar de a inflação ter estourado o teto da meta, a previsão de praticamente 100% dos analistas era que o Copom manteria os juros para não sacrificar ainda mais a já frágil atividade econômica. O país está na chamada recessão técnica, ou seja, a economia encolheu nos últimos dois trimestres.
- Foi uma decisão correta para conter a expectativa de inflação. Essa surpresa funcionou como um bom primeiro passo para recuperar a confiança do mercado. É um custo baixo para o ganho em credibilidade, que é o grande problema do Brasil. O ganho é maior do que o impacto sobre o crescimento - disse Luiz Eduardo Portella, gestor da Modal Asset.
Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, também vê a decisão como um sinal do governo Dilma ao mercado. Segundo ele, os investidores considerarão o movimento como positivo:
- É um sinal de que o segundo mandato terá uma maior preocupação com a inflação. Mas é importante usar outros instrumentos, como o fiscal.
A elevação dos juros, no entanto, foi alvo de críticas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Ablipast), que veem prejuízo para a economia.
Ninguém também apostava que o BC decidiria por uma guinada na política econômica sem saber quem ocupará a cadeira de ministro da Fazenda, porque fica difícil traçar projeções para a política de gastos públicos. Como o governo tem um grande peso na economia brasileira, a velocidade de crescimento de suas despesas pode continuar sendo combustível para a inflação.
Este ano, por exemplo, o BC teve de trabalhar dobrado porque a União elevou seus gastos em percentual maior que as receitas. Como a meta fiscal de 2014 não será cumprida, os técnicos da Fazenda já têm na manga uma proposta para enviar ao Congresso Nacional e mudar a meta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a fim de evitar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O Brasil se mantém como o país com maior taxa real de juro (descontada a inflação do mundo) em um grupo de 40 países. Considerando a inflação projetada para os próximos 12 meses, o juro real do Brasil está em 4,46%, segundo o economista Jason Vieira, da consultoria Moneyou. Considerando-se as taxas nominais, o Brasil está em terceiro.
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