domingo, 18 de janeiro de 2015

Maria Celina D'Araujo – O PT muda ou acaba?

- Aliás / O Estado de S. Paulo

Não acho que o PT muda nem que acaba. Vai continuar a existir da mesma maneira porque é a maneira que tem dado certo. Ficar 12 anos no poder e ir para 16 é mais que uma aventura: é uma trajetória vitoriosa. O PT não é um partido de quadros como o PSDB, que tem os notáveis, intelectuais e tal. Também não é um partido municipalista como o PMDB. Surgiu de uma base urbana, com a concepção de um colegiado igualitário. Criou-se uma cultura política no PT de que as disputas são legítimas, de que os companheiros podem soltar fogo amigo, de que se pode fazer estelionato eleitoral se ganhar a eleição. Mas ele é, principalmente, um partido de companheiros no sentido de que se julgam iguais. Então as tensões são muito grandes porque vários se acham em condições de concorrer à Presidência da República ou à Prefeitura de São Paulo, e acham que têm legitimidade para tal. É um partido com tamanha intimidade entre os pares que isso permite tanto apoios quanto brigas. O PT é sempre um espaço de disputa.

E tem um ponto de unidade, que é o Lula, o único com luz própria no PT. A Dilma não é PT. Ela é a presidente escolhida pelo partido, mas não é uma petista histórica nem tem a cultura de conversar com os companheiros. Está muito isolada no poder. Ela é PT na medida em que não se desvincula da figura de Lula, este sim o líder carismático que sabe mobilizar, que tem uma química especial com seu eleitorado. Mas não basta ter carisma: é preciso alimentá-lo com boas políticas, boas falas, bons programas de governo. O carisma não é uma orquídea que vive de ar e sombra. Precisa estar em ação. Alguns líderes carismáticos acabaram no ostracismo. Brizola foi a grande figura dos anos 1960, teve uma vitória mais fabulosa ainda na ditadura, em 1982, quando foi eleito governador do Rio de Janeiro com tudo e todos contra. O que era isso? Era o carisma. Isso acabou porque, nos dois governos dele, não foi bem-sucedido em vários aspectos.

Lula é o norte do PT, mas nada garante que isso seja assim daqui a quatro anos. Depende de como for o governo, de quanto ele está disposto a se expor sem se incompatibilizar com Dilma. Ele tem esse problema ético porque, veja bem, Dilma foi feita candidata por ele. Se Lula sair atirando contra ela, mesmo que seja fogo amigo, isso tira inclusive sua credibilidade. E há outro problema neste momento: grande parte do PT já está acomodada nos aparelhos do Estado. Quem vai querer ficar do lado de Lula para desconstruir o governo de Dilma, mesmo que seja de forma amigável? Acho que permanece tudo como antes no quartel de Abrantes.

Enfim, o partido está ficando cada vez mais um partido normal brasileiro, um partido de cargos eleitorais, que luta por postos, que diz uma coisa e faz outra, porque o importante é ganhar a eleição. Isso não é novo.

Quem militou no movimento estudantil sabe como a esquerda ganhava as eleições nos diretórios. E não é exclusivo do PT nem do Brasil. Os ciclos eleitorais valem para qualquer partido e para qualquer país. No último ano de governo se gasta muito e no primeiro ano se chamam os melhores tesoureiros, no sentido de quem tem a tesoura, para consertar as coisas.

Comparativamente aos demais partidos brasileiros, no entanto, esse é um partido de militantes. Mas não se compara ao que foi no início. Hoje grande parte de uma classe média intelectualizada não se sente com ímpeto para vestir a camisa do PT e ir pra rua suar. Surgiram outros partidos de esquerda, como o PSOL, aqui no Rio de Janeiro.

Se o PT está isolado? Do ponto de vista dos deputados federais, ele desidratou. Em termos de governos estaduais, idem. Isso significa que o eleitorado está menos propenso a votar nessa entidade PT. Mas isso não quer dizer que ele esteja isolado. Está muito bem, é o maior partido do Congresso, tem um diálogo imenso com os demais. Dos 28 que estão na câmara, 22 fecham com ele. Por que estão com o governo, mesmo não sendo muito leais? Porque é um jogo de cooperação, às vezes de propósitos não muito louváveis, O preço dessa integração é que é o problema. O preço é ficar refém de políticos que não somam para o projeto do PT nem para sua imagem.

Porque o PT tem um projeto, para ser diferente dos outros, que é manter políticas sociais de distribuição da renda bastante visíveis. Faz disso seu primeiro item da agenda e insiste em inovar em políticas sociais. Isso gerou por muito tempo uma empatia muito grande com a sociedade - e ainda acabou reelegendo Dilma. É o projeto de cultivar a identidade de quem se preocupa com a distribuição de renda, como se ele fosse o primeiro e o único. Está conseguindo manter esse discurso - simplesmente porque os outros partidos são incompetentes para mostrar que não foi bem assim.

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Maria Celina D'Araujo é cientista política, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)

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