- O Estado de S. Paulo
É surpreendente e assustador perceber, primeiro, e confirmar, logo em seguida, que tanto as promessas quanto as acusações de campanha continuam a impactar eleitores e eleitoras. Milhares acreditam em qualquer coisa. E não só o (ou a) menos escolarizado (a) e de menor renda.
Quando o PT criou aquela ficção de que o PSDB iria privatizar a Petrobrás, até mesmo engenheiros do quadro da empresa caíram no conto do vigário (ou da campanha, ou do candidato). Devem estar se mordendo de raiva, e de vergonha, com todo o escândalo que continua vindo à tona. O PT no poder não vendeu a Petrobrás, simplesmente tomou-a de assalto.
Quando o mesmo PT massificou a versão de que Marina Silva era a candidata dos banqueiros e a ilustrou com o sumiço de pratos de comida, empregos e salários da família brasileira, até mesmo gente com diploma universitário e para lá de escolado caiu no conto, que acabou atingindo milhões de eleitores.
Ver as pessoas caindo como patinhos deixou até uma dúvida no ar: elas acreditavam mesmo, queriam acreditar ou precisavam fingir que acreditavam nessa e em tantas outras mentiras? E não detectavam os golpes baixos?
Bastaram as urnas de 2014 serem fechadas e os governos começarem a se instalar, ou a se reinstalar, para as mentiras deslavadas da campanha passarem a pular dos sacos de maldade, ora ameaçadoras, ora rindo da nossa cara.
Em São Paulo, o governador tucano Geraldo Alckmin, com aquele jeitão certinho e do bem que Deus lhe deu e a política maquiou, jurou durante toda a campanha que não havia racionamento de água. Quanto mais a Cantareira secava, mais Alckmin negava a falta d'água.
Agora, depois de trocar a fantasia de candidato pela de governador, o papo é outro, bem mais confuso: há racionamento, mas não há tanto assim e, pensando bem, o que há é uma "restrição hídrica". Em bom português, restrição hídrica não é a mesma coisa que racionamento?
Em Brasília, a presidente petista Dilma Rousseff não deixou por menos. Ainda presidente em primeiro mandato, mas já armando a candidatura ao segundo, ela fez um pronunciamento na TV para bater no peito, enaltecer sua própria coragem e dizer que nós, brasileiros e brasileiras, pessoas físicas e jurídicas, teríamos um belo desconto na conta de luz.
Depois, na campanha, quando o estresse do setor já era evidente, com geradoras, transmissoras e distribuidoras amargando uma enxaqueca horrorosa, Dilma sofreu de amnésia. Simplesmente esqueceu de usar a redução da conta de energia na propaganda eleitoral. E nunca mais voltou ao assunto.
Quem põe a cara agora para admitir que a coisa está feia e alguém vai ter de pagar é o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E quem anuncia que vem aí um tarifaço é o de Minas e Energia, Eduardo Braga. O desconto foi de uns 20%, o aumento vai ser de 40%. Faz a conta...
E é assim que chegamos a 2015 e aos governos reeleitos de Alckmin e de Dilma com dois bólidos na contramão: racionamento de água em São Paulo e um aumentaço de energia para todo mundo. E ainda temos de ouvir eufemismos de um e aguentar o silêncio da outra sobre duas questões literalmente tão vitais: água e luz.
E o pior é que nas próximas eleições, as municipais, em 2016, e as gerais, em 2018, começa tudo de novo e lá vêm os velhos e os novos contos do vigário (dos palanques, da propaganda na TV, da boataria na internet) maquiavelicamente imaginados por marqueteiros cada vez mais brilhantes e mais sem pruridos.
Eleitores e eleitoras vão continuar caindo feito patos, o que faz sentido num país em que meio milhão de estudantes tiraram zero na prova de redação do Enem. Mas não digam que foi por falta de aviso. Nem de sofrer na pele.
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