Raphael Di Cunto e Thiago Resende - Valor Econômico
BRASÍLIA - Horas antes de ser acusado de receber US$ 5 milhões de propina por contratos na Petrobras, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), concedeu longa entrevista à imprensa em que pregou o fim da aliança com o PT, disse que o PMDB "está doido" para deixar o governo e indicou impor dificuldades para o governo aprovar as novas medidas econômicas anunciadas nos últimos dias.
"O governo finge que tem maioria, e a maioria finge que é governo, mas não é", afirmou, ao dizer que é a primeira vez na história recente que o presidente não tem maioria no Congresso Nacional e que ainda não foi apresentada a política econômica do segundo mandato. "[O governo] Começa a por em risco o grau de investimento do país, que é uma avaliação muito mais do cenário político do que econômico", disse.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, promoveu reuniões com a base aliada e oposição para informar sobre a reforma do PIS/Cofins que pretende encaminhar ao Congresso Nacional nos próximos dias e a equalização das alíquotas de ICMS, com a criação de dois fundos de compensação para os Estados.
Para o presidente da Câmara, a ausência de seis dos 10 líderes de partidos da base aliada na reunião proposta pelo ministro da Fazenda para apresentar o plano de PIS/Cofins na quarta-feira mostra um "agravamento da crise de governabilidade" e esse projeto só será aprovado se for algo para melhorar o ambiente de negócios no país. "Se for aumento de carga [tributária] disfarçado, não passará", disse.
Cunha afirmou ainda que é "absurdo" o plano de Levy para readequação das alíquotas do ICMS, encaminhado por meio de duas medidas provisórias (MPs), mas que depende da aprovação de projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) para possibilitar a repatriação de dinheiro sonegado, que constituiria o fundo de compensação. O ministro conta com os recursos para atingir a meta de superávit primário deste ano.
"Não vamos votar [a MP], isso é certo, nem o projeto de repatriação, a não ser que o governo mande o projeto dele para ser discutido", afirmou. Para ele, o governo usa um senador de "laranja" para não encampar uma proposta e a MP não atende os critérios de urgência já que depende de outro projeto de lei.
O pemedebista prometeu uma pauta ainda mais pesada no segundo semestre, com o projeto que muda a correção do FGTS e o que altera o rito de tramitação das MPs e a proposta de emenda constitucional que reduz a 20 o número de ministérios e afirmou que os parlamentares voltaram ainda mais "duros" do recesso parlamentar. "Quando eu rodo o Estado no fim de semana volto horrorizado. É todo mundo reclamando", disse.
Além de críticas ao governo, Cunha endureceu o discurso contra o PT e defendeu um rompimento total com o partido. Não só na disputa nacional em 2018 como também nas eleições à prefeitura do Rio de Janeiro, já em 2016, para que Eduardo Paes (PMDB) não repita a aliança com os petistas. Para ele, o governo da presidente Dilma Rousseff está "mergulhado na pauta do PT".
Os ataques ao partido, durante mais de uma hora de conversa, se tornavam evidentes mesmo quando o assunto era outro. Questionado sobre um possível "panelaço" contra sua gestão hoje à noite, na hora em que fará um pronunciamento em cadeia nacional para um balanço das votações do primeiro semestre, o pemedebista respondeu: "Ficaria muito feliz se tiver porque vai ser do PT. Se o PT for fazer coisa dessa natureza, vai dar mais destaque [ao discurso]".
Sobre o evento na quarta-feira em que ele, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), defenderam a candidatura própria do partido em 2018, Cunha afirmou que o PMDB está "doido para cair fora" do governo e só não o faz para evitar uma crise ainda pior no país. "Instabilidade política não é bom para ninguém", declarou.
Apesar de Temer ser o vice-presidente da República e o partido ocupar sete ministérios, para Cunha a sigla não está no governo. "Quem está são os ministros", completou. A estrutura das pastas, segundo ele, são ocupadas por petistas. "PMDB não manda. Fica com o ônus", observou.
Mesmo com críticas ao governo, o pemedebista afirmou não ter convicção de que a rejeição das contas de Dilma referentes a 2014 pelo Congresso Nacional possa sustentar um impeachment, pois o processo não trata do mandato atual. Antes de os parlamentares analisarem o caso, o Tribunal de Contas da União (TCU) deve julgá-lo.
Para ele, a fase de avaliação do TCU está superestimada. "Tem que valorizar a [votação] do Congresso. O TCU é um órgão de assessoramento e dá um parecer, que deveria ser técnico", afirmou. A decisão final, portanto, é política, ressaltou. A partir da primeira semana de agosto a Câmara deve começar a votar as contas de governos de anos anteriores.
Cunha, que tem o hábito de começar a agenda cedo e dormir poucas horas, foi questionado se não perdia o sono por causa da Operação Lava-Jato e afirmou que "quando o avião está taxiando já estou dormindo". "Quem não deve, não teme", disse.
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