- O Globo
É hora de deixar de lado o autoengano e enxergar as coisas como elas são. A condução da política econômica entrou em fase extremamente delicada. Os efeitos do choque de credibilidade propiciado pela nomeação do ministro Joaquim Levy estão perdendo intensidade. E podem ser rapidamente revertidos, se o governo não souber conduzir a política fiscal na difícil travessia que o país tem pela frente.
O esforço de ajuste fiscal de 2015 está fadado a ficar muito aquém do prometido. E não é que tenha faltado empenho a Levy. Muito pelo contrário. Mas, tendo em conta a gravidade da crise política e a alarmante fragilização da presidente, é pouco provável que o ajuste possa chegar muito mais perto do prometido. Como lidar com a frustração de expectativas sobre o ajuste fiscal é a questão crucial com que agora se defronta a política econômica.
Gostemos ou não, a verdade é que o país retrocedeu no tempo. E está de novo às voltas com o velho desafio fiscal que parecia ter sido deixado para trás há muitos anos. Na esteira da devastação das contas públicas perpetrada pela presidente Dilma, a política fiscal voltou a ter de ser pautada pela necessidade premente de impedir que a dívida do setor público continue a crescer como proporção do PIB. O que deverá exigir aumento substancial do superávit primário ao longo de vários anos.
Era isso que Levy tinha em mente quanto anunciou metas de superávit primário de 1,1% do PIB, em 2015, e de 2%, em 2016. Mas, a esta altura, já está claro que, tendo em conta a provável evolução do PIB e das taxas relevantes de juros, o superávit primário requerido para sustar o crescimento da dívida como proporção do PIB terá de ser muito superior a essas metas. E, no entanto, o governo talvez só consiga assegurar pouco mais da metade da meta anunciada para 2015.
Já há quem ache que o país agora marcha para inexorável rebaixamento da dívida soberana pelas agências de classificação de risco. E que precisa se preparar para uma provável perda do grau de investimento. Pode até ser. Mas ainda é cedo para jogar a toalha.
A melhor opção com que conta o governo é continuar a apostar na credibilidade de Levy e nas possibilidades de um jogo totalmente transparente, que deixe claro que, em meio à grave crise que vive o país, o ministro está explorando os limites do possível na política fiscal.
Nesse quadro, só se pode ver com grande preocupação a inoportuna proposta de criação de uma banda de tolerância para a meta de superávit primário, feita pelo ministro Nelson Barbosa, que continua mostrando incorrigível fascínio pelo ilusionismo.
Seria um movimento na contramão do que agora se faz necessário. O que o país necessita é de mais precisão e transparência sobre o ajuste fiscal possível. E não de uma cortina de fumaça que torne os prognósticos sobre a política fiscal ainda mais incertos do que já são.
A analogia com a meta de inflação é equivocada. O superávit primário é um mero instrumento de política econômica, cujo manejo está hoje inteiramente determinado pela urgência de manter a dívida pública sob controle. Não pode ser equiparado à inflação, variável para a qual se estabelece meta de caráter final.
A meta de superávit primário tem caráter intermediário. E o que se supõe, na condução de uma política fiscal realista, é que o governo tenha pleno controle sobre o superávit primário, exercendo a contenção de gastos que se faça necessária, tendo em conta o desempenho da receita.
Tampouco faz sentido confundir a proposta com uma política de metas ciclicamente ajustadas, que teria feito todo sentido, anos atrás, quando o quadro fiscal era bem mais favorável, como em 2010, ano em que o governo preferiu promover uma farra fiscal pró-cíclica sob os acordes da "nova matriz macroeconômica". Agora já não há mais espaço para as sutilezas do superávit primário ciclicamente ajustado. Em meio ao sufoco em que se meteu, o país está hoje condenado a conduzir a política fiscal de olhos fixos na dinâmica adversa da dívida pública.
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Rogério Furquim Werneck, economista, professor da PUC-Rio
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