quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sergio Fausto - O PT no seu labirinto

- O Estado de S. Paulo

A sequência aparentemente interminável de escândalos a que temos assistido nos últimos anos está longe de ser ocasional. Ela resulta do choque entre duas dinâmicas de sinais opostos em operação no sistema político brasileiro. De um lado, vê-se o desenvolvimento de uma rede cada vez mais articulada de instituições estatais e categorias de servidores públicos ligadas às atividades de fiscalização e controle, que vêm acumulando ganhos em matéria de capacidade técnica e legitimidade social para o desempenho efetivo de suas funções. De outro, assiste-se à “financeirização” cada vez maior da atividade política, ao aparelhamento do Estado por partidos políticos e à sofisticação dos esquemas de corrupção.

A primeira dinâmica remonta à Constituição de 1988 e teve como ponto de partida a autonomia conferida por ela ao Ministério Público. Nos anos subsequentes, durante os governos FHC, foram criados a Corregedoria-Geral da União (CGU) e o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), incumbido da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro, além de fortalecidos os Tribunais de Contas, graças à Lei de Responsabilidade Fiscal. Nos governos Lula, a Polícia Federal e a CGU ganharam nova musculatura sem perder autonomia. No primeiro mandato de Dilma, aprovou-se a Lei Anticorrupção, sem a qual não haveria as “delações premiadas”.

A segunda dinâmica acelerou-se nos últimos anos com as oportunidades criadas pelo “novo” e efêmero estatal-desenvolvimentismo patrocinado pelos governos do PT, a explosão dos custos das campanhas eleitorais e a expansão de uma elite política especializada na intermediação de interesses entre o Estado e o setor privado, em aliança com velhos comensais das mesas do poder. Essa combinação de fatores exacerbou problemas intrínsecos ao presidencialismo de coalizão e colocou combustível de alta octanagem no motor das negociatas público-privadas.

No escândalo do petrolão, com seus correlatos, dá-se o choque frontal entre essas duas dinâmicas opostas, que já não conseguem coexistir dentro do mesmo sistema político. Alguma delas terá de ceder crucial espaço à outra: ou bem se atrofia a capacidade institucional de controle sobre as relações entre governo, partidos e empresas na execução de obras e serviços públicos, ou essas relações terão de ajustar-se mais cedo do que tarde aos padrões de conduta já previstos na legislação brasileira.

A médio prazo há razões para ser otimista. A dinâmica favorável a maior transparência e conformidade legal das relações em questão está em sintonia com os valores que se vêm afirmando progressivamente na sociedade brasileira. Na mesma direção sopram os ventos na regulação do mercado de capitais, área em que o País começa a internalizar legislação e práticas já vigentes nos países mais desenvolvidos.

O que está em jogo no atual momento político é decisivo para o futuro da democracia brasileira.

Podem-se fazer reparos e objeções pontuais à condução das investigações e do processo judicial pelas autoridades responsáveis pela Lava Jato, mas não cabe dúvida alguma sobre o avanço que a revelação e punição do estarrecedor esquema de assalto aos cofres do Estado representa na (re)construção da confiança da sociedade nas instituições que a governam e representam. Assim como não cabe dúvida de que essa (re)construção é indispensável à legitimidade da ordem democrática.

A legitimidade da ordem política se assenta também em fatores materiais. A chamada “inclusão social” alude a essa dimensão da legitimidade. Tem razão o PT quando bate nessa tecla.

Agora, o ideal democrático não se limita à busca por maior igualdade nas condições materiais de exercício da cidadania. Tão importante quanto é a noção de que a lei deve ser igual para todos, não importando a família ou classe social em que um indivíduo nasceu e tampouco quão política e/ou economicamente poderoso se tornou ao longo da vida. Quanto menor a incerteza sobre a igualdade perante a lei, maior a legitimidade da ordem democrática.

O Brasil está na iminência de dar um passo decisivo nessa direção. Ante os riscos que esse passo acarreta para o partido, o PT reage acusando os membros do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal de agirem seletivamente com o propósito de atingir e estigmatizar um só partido (e seus aliados). Sem poder negar os fatos levados a conhecimento público pela Operação Lava Jato ou justificá-los moralmente como meios para cumprir o desígnio supostamente superior da “inclusão social”, o partido apela para a tese de que as práticas criminosas reveladas pela investigação são iguais às anteriormente realizadas pelos partidos hoje na oposição. Já não podendo, como no passado, dizer-se mais puro que os outros partidos, o PT proclama serem todos igualmente impuros.

No dia do Juízo Final, se houver, a justiça divina onisciente e atemporal atingirá igualmente a todos os pecadores. Por ora, no Estado Democrático de Direito, julgam-se os casos concretos e conhecidos. Quando mais não for, porque há 13 anos estão fora do poder, as oposições não figuram entre os autores e principais beneficiários da ampla e sofisticada articulação criminosa que gerou o petrolão, um escândalo como nunca antes visto na História deste país.

Aferrado aos interesses da organização e da preservação do poder, acuado pelos desdobramentos das investigações, o PT envereda pela tentativa de desmoralizar as instituições de fiscalização e controle do Estado, como se elas fossem peças de um golpe orquestrado pelas oposições e pela imprensa.

O PT não é “vítima” de um golpe, mas da própria democracia que ajudou a construir, embora aparentemente sem ciência de suas implicações. Tomara que aprenda as “lições da crise”, renovando-se de verdade, pois o Brasil precisa de um partido democrático de esquerda para seguir avançando na direção de uma sociedade mais justa e democrática.

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*Sergio Fausto; superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute Of Public Policy da Rice University, é membro do GACINT-USP/

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