- O Globo
Essa tentativa de transformar em crise institucional os mandados de busca e apreensão na casa de políticos só é possível porque, mesmo depois de o processo do mensalão ter mandado para trás das grades figurões da política brasileira, até mesmo do partido no poder, ainda não estamos acostumados a que a Justiça seja igual para todos os cidadãos.
O desembaraço com que esses figurões continuam a praticar crimes mesmo depois de condenados - vejam o caso de José Dirceu, que continuou a receber pixulecos de empreiteiros mesmo na prisão - é exemplar do sentimento de impunidade que ainda impera no país.
Melhor exemplo não seria possível que os presidentes da Câmara e do Senado, investigados na Operação Lava-Jato, fazendo campanha aberta contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, assim como o senador Fernando Collor, que voltou ao noticiário policial da política, agora com três carrões importados (Lamborghini, Ferrari e Porsche) em vez da singela Fiat Elba que o incriminou no processo de impeachment em 1992.
Collor, aliás, parece empenhado em provar, na prática, o que o humor popular diz de sua condenação: comparados com os roubos de hoje, os dos tempos de Collor seriam julgados no tribunal de pequenas causas. Se acreditarmos, no entanto, nas notícias da época, que dão conta de que Collor e PC Farias reuniram seu grupo para comemorar ruidosamente o primeiro bilhão de dólares, a modéstia não é válida neste caso - embora Collor, hoje personagem secundário do esquema de corrupção da Petrobras, esteja sendo acusado de ter levado uma propina de R$ 20 milhões por uma obra que um diretor de sua confiança estava supervisionando na BR Distribuidora, que por isso foi também "invadida" ontem pela Polícia Federal.
Invasão de privacidade, assim foi definida a ação da Polícia Federal na casa de políticos, especialmente senadores, ontem pela manhã. Autorizada por três ministros do Supremo Tribunal Federal, a operação visava, segundo o procurador-geral da República, garantir a apreensão de bens adquiridos com supostas práticas criminosas investigadas na Operação Lava-Jato.
O mesmo Janot, caso esteja na lista tríplice dos procuradores e seja escolhido por Dilma, será avaliado pelos senadores, que dão a palavra final sobre sua recondução. Assim como a presidente Dilma, os senadores ficarão em situação delicada se tentarem barrar Janot. Será uma admissão de culpa que não deixará ao sucessor alternativa a não ser duplamente rigoroso na ação contra os políticos e a própria presidente, para não se desmoralizar no cargo de procurador-geral da República.
Não é de hoje que Collor e Renan Calheiros, ambos investigados na Lava-Jato, tomam iniciativas para acusar o procurador-geral, numa tentativa de intimidá-lo. Não é à toa que Eduardo Cunha, na Câmara, e Calheiros, no Senado, tomaram as rédeas da iniciativa política no país, a fim de, se forem alcançados pelas investigações da Lava-Jato em que estão arrolados, poderem alegar estarem sendo atacados politicamente.
Foi o que fez ontem Renan Calheiros, de sua cadeira de presidente do Senado, acusando o Ministério Público e a Polícia Federal de "intimidação". A tentativa de legislar em causa própria, afirmando que cabe à Polícia Judiciária a execução de mandados de busca e apreensão em imóveis do Senado, é apenas mais um exercício de privilégios que estão sendo superados pela execução da lei, acima da qual ninguém está na Politeia, no sentido aristotélico de uma sociedade guiada pela presunção de igualdade, contra as oligarquias.
Ontem foi a vez de parte dos oligarcas políticos se verem às voltas com buscas e apreensões, outrora inimagináveis.
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