O Globo
De novo na estrada, recomeça a temporada de TV. Felizmente. Antes de voltar ao trabalho cotidiano, passei por São Paulo, no Brazil Summit, da revista “The Economist”. A pergunta principal no meu painel era essa: Dilma cai ou não? A tendência, no painel de que participei, foi prever que as coisas devem continuar como estão: os agentes políticos, sobretudo a oposição, não parecem muito interessados, preferem o desgaste progressivo do governo. N a linguagem de perdas e ganhos, há uma tendência a achar também que os custos do impeachment podem ser maiores do que manter o status quo. Num quadro de crise como o nosso, todos são cautelosos em prever o futuro. Da minha parte, procurei tocar em alguns elementos dinâmicos: desemprego, movimentos de protesto e investigações da Lava-Jato e Zelotes.
Como a pergunta sobre a sobrevivência de Dilma vem desde o principio do ano, tentei também responder à pergunta: ela está conseguindo? Alguns elementos negativos permanecem: baixa popularidade, base instável no Congresso e incapacidade de articular um real ajuste na economia.
Caio na estrada com uma nova operação policial se destacando: a Zelotes. No programa matinal da CBN, disse que a operação estava convergindo com a Lava-Jato. Mas o tempo em rádio é curto. Parecem tratar de temas diferentes, mas convergem, no momento, para o mesmo alvo: Lula. A Lava-Jato revelou o papel de seu amigo Bumlai. Ele teria recebido R$ 2 milhões do lobista Fernando Baiano, com o argumento de que iria pagar despesas da nora de Lula.
Bumlai apareceu numa entrevista pouco convincente. Disse que pediu dinheiro emprestado ao lobista. Lobista não empresta assim, todos sabemos.
E disse que estranhava a existência de um crachá no Palácio do Planalto permitindo seu acesso irrestrito. “Por que o crachá não estava comigo?” Bumlai deveria saber que é mais seguro um documento na portaria do que um ambulante crachá irrestrito do Palácio. No episódio da Zelotes, a compra da Medida Provisória 471 em favor de alguns produtores de carro acabou atingindo a empresa esportiva de outro filho de Lula.
Sem ter nenhum vínculo com o setor, a empresa lobista destinou ao filho de Lula, segundo a polícia, R$ 2,4 milhões para um trabalho de marketing esportivo. Secretário de Lula, Gilberto Carvalho disse que o lobista era um velho amigo do presidente e poderia ter usado essa amizade em seu favor, sem que Lula soubesse.
Lula disse a mesma coisa sobre Bumlai: é possível que tenha usado meu nome sem meu conhecimento. Voltamos ao “eu não sabia” de 2005. Só que agora, as evidências são muito fortes. Bumlai era uma pessoa especial, não há informação sobre outro crachá desse tipo em toda a República. Como Lula iria ignorar a presença de um lobista no curso da medida provisória se ele fez reuniões com Gilberto Carvalho e era amigo de longa data do ex-presidente?
Trabalho com o que leio nos jornais e blogs. Neles é possível conhecer a acusação e intuir a linha de defesa. O que me parece convergir nas operações Lava-Jato e Zelotes é o fato de que recolheram evidências o bastante para que os episódios não fossem negados. O caminho da defesa é reinterpretar dados conhecidos.
Algo como: aconteceu, mas não é bem isso que vocês estão pensando. Quantas vezes em romances, novelas e até programas humorísticos alguém, instintivamente, se defende com o “não é bem isso que você está pensando”? De um modo geral, com raras exceções, costuma ser exatamente o que você está pensando. Com todos os fatos, desde a Lava-Jato até a mais recente Zelotes, o país está diante de um conjunto de acusações muito sólido. Se a onipresença da corrupção não pesar nos fatores para afastar um governo, ela coloca, pelo menos, a questão primordial, que independe de ritmos: Dilma deve cair?
No papel de analista, não preciso responder a isso. Como indivíduo, respondo sim, ao lado de milhões de outras pessoas. Se o país negociar com esse turbilhão de fatos degradantes e apenas seguir em frente como se nada tivesse acontecido, o preço a pagar, embora irredutível a números , será um grande desencanto. A tática de deixar Dilma sangrar até 2018 pode ser perigosa: os próprios vampiros perigam chegar exangues, após três anos de vacilação. E um cenário possível é a vitória de alguém de fora do sistema político. Como já aconteceu em alguns países, recentemente com a eleição do humorista Jimmy Morales, na Guatemala.
Tivemos essa experiência com Collor. Talvez tenha nos vacinado. Em crises passadas, os mais importantes políticos do Brasil se reuniam buscando uma saída, pensando também na sobrevivência da espécie. Agora, nem isso. Navegamos nas brumas. Dilma não consegue governar, a sociedade não consegue derrubá-la. E esse jogo não pode ser 1 a 1. Todos perdemos. Talvez ela e Eduardo Cunha sintam-se vitoriosos apenas por sobreviver. O Brasil merece mais do que uma vida apenas vegetativa.
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