Com ajuste fiscal e crise na Petrobras, a indústria da construção prevê que, até o fim do ano, mais de cem mil trabalhadores serão demitidos de obras de infraestrutura, revela Cássia Almeida.
Menos cem mil empregos em grandes obras
• Construção sofre efeitos de ajuste e crise da Petrobras. Belo Monte demitirá 12 mil até 2016
Cássia Almeida - O Globo
Mais de cem mil trabalhadores devem ser demitidos das obras de infraestrutura daqui até o fim do ano, estima a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), somando 180 mil em 2015. Somente de janeiro a setembro, foram 79.131 demissões. Quando se inclui nessa conta a construção de edifícios, o total chega a 222.711. O setor está em crise, e todos os impulsos para a atividade avançar foram anulados, dizem especialistas. As demissões normalmente são concentradas no último trimestre. No início do ano, costumam acontecer as contratações, mas não foi o que ocorreu desta vez, diz José Carlos Martins, presidente da Cbic. Sem novos ciclos de investimento à vista e com grandes obras no fim ou em ritmo mais lento, a crise no setor se agravou. Operários da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, no Pará, estão sendo demitidos em razão da conclusão de etapas da obra.
Em Pernambuco, cerca de 40 mil perderam o emprego em 2014 com a paralisação dos trabalhos da refinaria de Abreu e Lima e não houve como absorver essa mão de obra. No Rio, o Comperj praticamente parou.
— A restrição fiscal nos estados e municípios fez parar tudo. Não tem um centavo para aplicar. Não temos expectativa de quando isso vai mudar — diz Martins, que calcula um total de 530 mil empregos cortados na construção civil este ano, incluindo obras de infraestrutura, construção de edifícios e serviços especializados.
O ajuste fiscal no governo federal e nos estados e municípios abateu a indústria da construção pesada, já afetada pelo corte de mais de 30% nos investimentos da Petrobras e pela Operação Lava-Jato, que paralisou ou fez andar mais devagar obras de grandes empreiteiras do país e seus fornecedores.
— É um quadro bastante ruim e, particularmente ruim na infraestrutura, por um conjunto de fatores. Na Região Norte, o emprego caiu 19,06% este ano (até setembro) já por causa das demissões em Belo Monte. E vai piorar quando essa desmobilização for completa. Como não houve licitação para as obras para o complexo hidrelétrico do Rio Tapajós, o impacto vai ser forte na região — afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Em Altamira, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção Pesada do do Pará já não dá conta das homologações das dispensas no canteiro de Belo Monte. Acertou com o consórcio construtor a demissão de 50 trabalhadores por dia, mas o número vem crescendo. Em agosto, foram 1.749 demissões. De acordo com cronograma enviado ao Ministério Público do Trabalho (MPT) pelo consórcio construtor da usina de Belo Monte, formado por Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez, serão demitidos 12 mil trabalhadores de outubro a fevereiro do ano que vem. Em abril, o canteiro abrigava 31.800 trabalhadores. Em fevereiro, serão 13.100.
O temor dos procuradores do Trabalho é que esses trabalhadores, sem conseguir outra obra, fiquem na cidade sem condições de voltar para seus locais de origem. Muitos, para conseguir a vaga na construção da hidrelétrica, disseram que moravam em cidades próximas — os contratantes preferiam trabalhadores da região — e ficaram sem receber a “baixada” (direito a transporte e tempo para ver a família).
— A cidade de Altamira poderia receber milhares de trabalhadores de uma só vez, o que poderia gerar uma situação de confusão na cidade. Por esta razão, o consórcio comprometeu-se a garantir o transporte dos trabalhadores partindo diretamente dos canteiros de obras, sem a necessidade de passarem pelo terminal rodoviário, com vistas a garantir a tranquilidade neste momento — afirma o procurador Erik de Oliveira.
O vice-presidente do sindicato dos trabalhadores, Roginel Gobbo, diz que os operários voltam para suas cidades por conta própria, com raras exceções.
Região não conseguirá absorver operários
Ele diz ainda que as medidas recomendadas pelo MPT consideram que não haverá, a princípio, como absorver esse pessoal na região de Belo Monte (Altamira e Vitória do Xingu), pela própria singularidade de tais locais, nem mesmo para a operação de Belo Monte, que exigirá pessoal especializado e de formação diversa desses trabalhadores.
Grande parte dos trabalhadores de Belo Monte veio de Rondônia, depois que acabaram as obras nas duas hidrelétricas do Rio Madeira — Jirau e Santo Antônio — também nas mãos das construtoras que hoje sobem as barreiras no Rio Xingu. A construção do complexo no Rio Tapajós não saiu do papel e, portanto, não vai absorver essa mão de obra desligada dos canteiros de Belo Monte.
— Vieram equipes inteiras para Belo Monte. Há alguma obra no Pará que pode absorver, mas a expectativa era que eles fossem deslocados para Itaituba (Tapajós) — diz Roginel Gobbo, vice-presidente do sindicato dos trabalhadores .
Alguns estão sendo aproveitados na próxima etapa da obra, a montagem dos equipamentos. Mas a demanda é bem menor: 4.500 na obra inteira. O Consórcio Construtor Belo Monte afirmou que não faria comentários sobre as demissões.
Também no Pará, as obras em Canaã do Carajás, o maior projeto de mineração da Vale, já estão no auge, com 32 mil operários trabalhando na construção da ferrovia (13 mil), do porto (4 mil) e da mina e da usina (15 mil). Segundo a empresa, a mina começa a operar no segundo semestre do ano que vem, mas as obras da ferrovia vão até 2018. Essas obras não vão abrir mais vagas na construção civil. Gobbo, do sindicato, diz porém que, no caso da Vale, sempre tem obra em Parauapebas, mas não o suficiente para absorver toda a mão de obra que deixará Belo Monte.
Outra grande obra de infraestrutura foi atingida duramente pela Operação Lava-Jato: a da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Somente no ano passado foram 30 mil demitidos. A desmobilização era esperada, segundo a procuradora do Trabalho do estado Débora Tito. Eles criaram um fórum juntamente com o governo do estado para tentar realocar esses operários que, em sua maioria (58%), eram de Pernambuco. Mas a Operação Lava-Jato, com o bloqueio dos recursos da Petrobras para determinados fornecedores, obrigou os procuradores a mudarem a direção dos trabalhos: passaram a lutar pelo pagamento de indenizações.
— Mais de 10 mil trabalhadores ficaram sem receber salário. Foram 42 mil contratações para a construção de Abreu Lima e foram mantidos apenas 30% desse quadro. Uma empresa ainda tem dívidas trabalhistas de R$ 75 milhões no estado — diz Debora.
Agora a situação começa melhorar na região, com a construção de uma petroquímica, que está contratando operários. Mas novos problemas começam a surgir.
— Recebemos denúncia do sindicato de que há pessoas, agenciadores, vendendo vagas de emprego por R$ 4.000. Com a massa de demissões que houve, há muito mais gente desempregada do que postos oferecidos — afirma a procuradora do Trabalho.
Construção em queda desde início de 2014
A construção civil vive uma das suas piores crises nos últimos anos. Nas Contas Nacionais, o setor vem em queda desde o segundo trimestre de 2014 na comparação com o ano anterior. Já caiu 4,7% nos últimos quatro trimestres, um recuo bem mais acentuado do que o da média da economia, que caiu 1,2%. Essa retração do setor é mais aprofundada com o pessimismo que se instalou, principalmente entre os que tocam obras de infraestrutura. A Sondagem da Construção que a FGV divulgou na última semana mostra a confiança do setor no seu mais baixo patamar desde 2010. Na composição do índice, os empresários de infraestrutura são os mais pessimistas. Nesse grupo, a queda na confiança foi de 5,5%, contra 3,9% na média, e de 1,9% na construção predial. E a piora foi rápida. Até agosto, os empresários até melhoraram a percepção da situação atual, mas, em setembro e outubro, o pessimismo dominou: queda de 10% em setembro e de 5,5% em outubro.
A situação do emprego também é pior na infraestrutura. No ano, até agosto, a ocupação caiu 13,7% contra 9,6% da média da construção.
Outro setor da construção que poderia absorver esses trabalhadores também sofre com a crise econômica. Com o ajuste fiscal, diminuiu a verba para o programa Minha Casa Minha Vida, os recursos da Caixa Econômica Federal para financiamentos habitacionais estão mais escassos e a demanda recua mais ainda com o emprego e o salário em queda em todas as atividades. Este ano, o setor de edificações já demitiu 115 mil trabalhadores.
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