Réu em dois processos da LavaJato, acusado de receber propina de corrupção na Petrobras, o ex-presidente da Câmara e deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve o mandato cassado e deixou o plenário sob gritos dos colegas de “Fora, Cunha”. Dos 470 deputados presentes, foram 450 votos pela cassação, apenas dez contra e nove abstenções (o presidente, Rodrigo Maia, não votou). O ex-todo-poderoso dirigente da Câmara perdeu o mandato e os direitos políticos por quebra de decoro, por ter mentido sobre contas na Suíça, depois de 11 longos meses de manobras contra a cassação. Em seu último discurso, continuou negando o dinheiro no exterior e afirmou sofrer retaliação pelo processo de impeachment da ex-presidente Dilma, aberto por ele. “Por mais que o PT chore, esse criminoso governo foi embora e graças à atividade que foi feita por mim!”, disse, acusando depois também a gestão Temer de ficar contra ele. Com a perda do mandato, os processos a que responde no STF irão para o juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, em Curitiba.
Fim da linha
- Isolado e sem o poder que exibiu até aceitar o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foi cassado ontem pelo voto de 450 deputados. Apenas 10 o apoiaram. Sem o foro privilegiado, Cunha terá seus processos, atualmente no Supremo Tribunal Federal, encaminhados para o juiz Sérgio Moro
Júnia Gama, Isabel Braga, Eduardo Bresciani, Cristiane Jungblut, Evandro Éboli, Letícia Fernandes Renan Xavier - O Globo
-BRASÍLIA- Com 450 votos a favor, 10 contrários e 9 abstenções, a Câmara cassou ontem o mandato do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), interrompendo a trajetória política de quase 25 anos daquele que se celebrizou como o principal algoz de Dilma Rousseff no processo de impeachment. Com uma carreira construída nas sombras do poder e que ganhou os holofotes nacionais desde que assumiu a presidência da Câmara, no ano passado, Cunha, que colecionou inimigos na vida política e ontem se viu abandonado por praticamente todos os partidos, passará agora a enfrentar o seu mais temido adversário: o juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná.
Ao fim da sessão ontem, Cunha deu uma entrevista coletiva na qual culpou diretamente o governo Temer pela derrota. Segundo ele, o assessor especial Moreira Franco agiu como “eminência parda” na articulação da eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem é sogro, para a presidência da Câmara.
— Eu culpo o governo hoje, não que o governo tenha feito alguma coisa para me cassar. Mas quando o governo patrocinou a candidatura do presidente (Rodrigo Maia) que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa forma, aderiu à agenda da minha cassação. O governo hoje tem uma eminência parda, quem comanda o governo é o Moreira Franco, que é o sogro do presidente da Casa. Ele comandou uma articulação que fez com que tivesse uma aliança do PT — reclamou Cunha, que prometeu recorrer à Justiça e escrever um livro relatandente todas as negociações de que participou a respeito do processo de impeachment.
— Eu não sou uma pessoa de fazer ameaças veladas, mas a sociedade merece saber — afirmou. Indagado se Temer deveria ter receio da obra: — Leia meu livro que você vai saber. A influência de Cunha em Brasília começou a ganhar força ainda no segundo governo do ex-presidente Lula e chegou ao seu ápice no ano passado, ao assumir a presidência da Câmara. A chegada ao cargo, que reforçou sua posição na política, também trouxe a exposição que contribuiu para seu ocaso político, apenas pouco mais de um ano e meio depois.
Com as denúncias, o tempo virou para Cunha e, de “presidenciável”, ele passou a ser visto como deputado “cassável”. Resistiu por meses em deixar a presidência da Câmara, mesmo após ter sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Conhecido pela capacidade única de manobrar o Congresso, o que lhe rendeu o recorde de 11 meses de duração do processo de cassação, na sessão de ontem Cunha ainda tentou lançar mão do artifício.
Mas, logo no início da noite, ficou explícito que não conseguiria escapar de seu destino, depois que as manobras regimentais foram todas rechaçadas por um plenário que, dias antes, já anunciava sua inexorável cassação, como mostrou enquete do GLOBO. A primeira tentativa fracassada foi de não dar quorum na sessão, marcada com um mês de antecedência pelo seu ex-aliado e sucessor no cargo, Rodrigo Maia. A segunda investida de seus aliados, de garantir uma pena mais suave que a cassação, também naufragou.
Logo pela manhã, os boatos de que Cunha poderia renunciar, adiando a votação, tensionaram o ambiente. A interlocutores, o deputado afastado negou que fosse fazê-lo e cumpriu a promessa durante seu discurso em plenário.
Pontualmente às 19h de ontem, o presidente da Câmara abriu a sessão de julgamento. Anunciou a presença de 326 deputados na Casa, mas decidiu, de ofício, zerar o painel e suspender a sessão por uma hora, até que o quórum fosse novamente atingido. A decisão provocou reação de adversários de Cunha em plenário, mas Maia justificou que, por se tratar de um julgamento polêmico, não queria dar margem a questionamentos.
Assim que a sessão foi reaberta, por volta de 20h30, Maia passou a palavra ao relator do processo, Marcos Rogério (DEM-RO), que afirmou que não foi uma “mentira inocente” o motivo da cassação aprovada:
— Não se tratou de mentira inocente. Houve prática de mentira descarada com finalidade de atacar a Operação Lava-Jato e esconder crimes graves, como o recebimento de vantagens indevidas no exterior. Ficou comprovado que o deputado Eduardo Cunha tem, sim, conta, patrimônio e bens no exterior. Que as trustees são empresas de papel, são laranjas de luxo para dissimular lavagem de dinheiro e recebimento de propina — atacou o relator.
O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, falou em seguida, negando as acusações e apelando pela absolvição de seu cliente:
— O que vemos aqui nesta Casa é uma guilhotina posta em cima da mesa. Chama-se precedo de linchamento. Não existem provas, porque a prova é material. Ou há conta, ou não há. Se há conta, cadê ela?
Cunha chegou à Câmara com a sessão já em andamento, às 20h45. Utilizou uma porta secundária e um esquema de segurança para impedir a aproximação dos jornalistas. Com a sessão em andamento, um de seus mais fiéis aliados, Carlos Marun (PMDB-MS), tentou a última manobra para adiar a votação, que foi rejeitada.
Planalto minimiza consequências
Antes da apresentação da questão de ordem de Marun, Cunha usou a tribuna para fazer sua defesa aos colegas. O ex-presidente da Câmara usou um tom apelativo para tentar convencer os colegas de cometeriam uma injustiça. Em outros momentos, demonstrou irritação ao se dirigir a parlamentares do PT.
— Éo preço que estou pagando para o Brasil ficar livre do PT. É a verdade do que está acontecendo aqui. Estão me cobrando o preço de ter conduzido o processo que não poderia ser conduzido por outro — disse Cunha, acrescentando: — Eu não menti à CPI! Não tem a conta? Cadê a prova?
Mantendo a estratégia de tentar se descolar de Cunha, o Palácio do Planalto minimizou o resultado da sessão. Para interlocutores de Michel Temer, a rotina do governo pouco irá se alterar a partir de agora. A expectativa é que, se houver mudança, será no sentido de estabelecer uma relação mais serena com a Câmara, algo que já vinha sendo construído desde o afastamento de Cunha pelo Supremo no início de maio, pouco antes de Temer assumir a presidência de forma interina.
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