• Diante de investigados, Celso de Mello cita Ulysses: ‘Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube’
André de Souza, Carolina Brígido, Catarina Alencastro, Renata Mariz e Vinicius Sassine – O Globo
-BRASÍLIA- Ao discursar na posse da ministra Cármen Lúcia, o mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, condenou duramente a corrupção no país. Na presença de muitos políticos investigados na Operação Lava-Jato, ele condenou a “delinquência governamental”, atacou os “marginais da República” e defendeu a prisão de quem rouba.
O tema da corrupção também dominou o discurso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que enalteceu as investigações do Ministério Público na Lava-Jato e o combate aos corruptos. Entre as autoridades investigadas estavam presentes o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao mencionar os “marginais da República”, Celso de Mello disse que existem no país práticas delituosas “perpetradas por intermédio de organizações criminosas”, e que os investigados obtêm “inadmissíveis vantagens e de benefícios de ordem pessoal, ou de caráter empresarial, ou, ainda, de natureza político-partidária”.
— Mostra-se intolerável, em face da ação predatória desses verdadeiros profanadores dos valores republicanos, transigir em torno de princípios fundamentais que repudiam práticas desonestas de poder, pois elas deformam o sentido democrático das instituições e conspurcam a exigência de probidade inerente a um regime de governo e a uma sociedade que não admitem nem podem permitir a convivência, na intimidade do poder, com os marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental, degradando-as ao plano subalterno da delinquência institucional e transformando-as em um meio desprezível de enriquecimento ilícito — disse o ministro.
Ao citar Ulysses Guimarães, Celso de Mello lembrou que “não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube” é o primeiro fundamento da moral pública que deve ser seguido.
— Fatos notórios veiculados pelos meios de comunicação social, geradores de justa indignação popular, resultantes de investigações promovidas por órgãos incumbidos da persecução penal, revelariam que se formou, em passado recente, no âmago do aparelho estatal e nas diversas esferas governamentais da Federação, uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do poder público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado brasileiro — afirmou o decano.
Renan tem dez inquéritos abertos no STF, entre investigações da Lava-Jato, da Operação Zelotes e de outros temas. Lula também responde a um inquérito no STF por conta da Lava-Jato. Cármen Lúcia cumprimentou o presidente Michel Temer com beijinhos no rosto, mas não fez o mesmo com Renan. Outro investigado que compareceu à posse foi o senador Edison Lobão (PMDB-MA). O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, que foi cumprimentar Cármen Lúcia, é investigado na Zelotes, em um processo relatado por ela.
Também estavam presentes o senador Aécio Neves (PSDBMG), investigado em dois inquéritos no STF, e o ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, investigado por obstrução à Lava-Jato.
Janot denunciou em plenário que existe uma tentativa de comprometer a imagem do Ministério Público Federal e de integrantes do Judiciário na condução da Lava-Jato.
— As forças do atraso, que não desejam mudança de nenhuma ordem, já nos bafejam com os mesmos ares insidiosamente asfixiantes do logro e da mentira. Tem-se observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava-Jato — disse Janot, que foi aplaudido por todos os presentes, exceto Renan.
Janot defendeu ainda as medidas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. Ele rebateu críticas às propostas. Um dos mais atacados é o item que permite que provas colhidas de forma ilícita sejam utilizadas em investigações, depois que ponderados os interesses em jogo.
— Há hoje um consenso cristalizado na sociedade brasileira de que é preciso punir os corruptos e de que o sistema jurídico vigente no país é inepto para tal propósito. Se as nossas propostas não são boas, que se apresentem outras melhores — disse Janot.
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