Por Camilla Veras Mota – Valor Econômico
SÃO PAULO - A dificuldade para se negociar aumento de salários em meio à recessão tem levado cada vez mais empregados e empregadores ao Judiciário. No primeiro semestre, seis dos principais Tribunais Regionais do Trabalho do país - Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo -, consultados pelo Valor, autuaram 288 dissídios coletivos, inclusive de greve, contra 241 no mesmo período do ano passado.
Apesar das dificuldades financeiras gerais, os acordos arbitrados pelos tribunais continuam contemplando pelo menos a inflação acumulada no período até a data-base. Desembargadores relatam, no entanto, um volume crescente de casos de conciliação em que o aumento é concedido de forma parcelada.
"Hoje as categorias têm cada vez mais dificuldade de repor a inflação", observa a desembargadora do TRT-9 (Paraná), Marlene Suguimatsu. Ela admite que os tribunais geralmente utilizam os índices de preços como parâmetro para determinar o percentual de reajuste nos dissídios, mas afirma que, neste ano, ainda não houve julgamento nesse sentido. A maioria dos casos foram resolvidos em audiências de conciliação e não precisaram passar pela seção especializada.
O TRT-2, de São Paulo, segue usando o INPC como piso para as decisões, diz o desembargador Wilson Fernandes, eleito em agosto presidente do tribunal. O que desapareceu neste ano foi o adicional de produtividade, que girava entre 1% e 1,5%. Frente às dificuldades que vêm sendo relatadas pelas empresas, especialmente as de pequeno e médio portes, têm sido comuns as conciliações com aumento parcelado.
A boa notícia é que o volume de ações parou de aumentar entre julho e agosto. "Parece que chegamos mesmo ao fundo do poço", diz Fernandes, que espera uma desaceleração dos dissídios neste segundo semestre.
"O que as categorias têm buscado nas campanhas é a manutenção dos empregos e dos benefícios e pagamento em dia", diz a desembargadora Marlene Suguimatsu.
Negociação difícil eleva número de dissídios
A dificuldade para se negociar aumento de salários em meio à recessão e as consequências da crise econômica - atraso no pagamento das remunerações, no recolhimento de tributos e demissões em massa - têm levado cada vez mais categorias ao Judiciário. No primeiro semestre, seis dos principais Tribunais Regionais do Trabalho do país - Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo - autuaram 288 dissídios coletivos, inclusive de greve, contra 241 no mesmo período do ano passado.
Diante de um número cada vez maior de empresas que acenam com reajustes nominais próximos de zero, os acordos arbitrados pelos tribunais, de modo geral, continuam contemplando pelo menos a inflação acumulada no período até a data-base. Desembargadores relatam, contudo, um volume crescente de casos de conciliação em que o aumento é dado de forma parcelada.
Um dos 22 sindicatos que representam os trabalhadores da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), o Saemac, está aguardando a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região para encerrar a campanha que começou em março. A entidade pede 4% de aumento real, além dos 11% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulados nos 12 meses até a data-base.
A proposta inicial do sindicato, que representa quase metade dos 7,4 mil funcionários da empresa, era aumento linear de R$ 615 para cada trabalhador, afirma Gerti José Nunes, presidente do Saemac. A ideia era recompor os salários de entrada - o piso de R$ 1.394 -, o que não foi acatado pelos sindicatos que representam os funcionários com salários mais altos. Eles aceitaram a proposta inicial da Sanepar, que cobria a inflação. Após oito dias de paralisação da base da Saemac, o Ministério Público interveio na campanha, que acabou indo para dissídio.
"Hoje as categorias têm cada vez mais dificuldade de repor a inflação", observa a desembargadora do TRT-9, Marlene Suguimatsu. Ela admite que os tribunais geralmente utilizam os índices de preços como parâmetro para determinar o percentual de reajuste nos dissídios, mas afirma que, neste ano, ainda não houve julgamento nesse sentido, já que uma série de casos foi conciliada e não precisou passar pela seção especializada, e que ainda não há garantia de que o tribunal determinará pelo menos a reposição das perdas inflacionárias.
Já o TRT-2, de São Paulo, segue usando o INPC como piso para as decisões, diz o desembargador Wilson Fernandes, eleito em agosto presidente da entidade. O que desapareceu neste ano foi o adicional de produtividade, que girava entre 1% e 1,5%. Frente às dificuldades que vêm sendo relatadas pelas empresas, especialmente aquelas de pequeno e médio porte, têm sido comuns as conciliações com parcelamento do aumento nas remunerações, ele relata.
A boa notícia é que o volume de ações parou de aumentar em julho e agosto. "Parece que chegamos mesmo ao fundo do poço", diz Fernandes, que espera uma desaceleração dos dissídios neste negundo semestre.
"O 'mínimo' [que as categorias têm buscado nas campanhas] é o emprego, receber em dia e, no máximo, manter benefícios", ela comenta. O número de dissídios - ações para solucionar conflitos entre as partes da relação de trabalho - no Paraná cresceu de 16 no primeiro semestre de 2015 para 20 no mesmo período deste ano. Os de greve avançaram de 10 para 12 nesse intervalo.
Os metalúrgicos de Betim (MG) entregaram em julho a pauta de 2016 com parte da campanha do ano passado pendurada no TRT-3. A categoria ainda não entrou em acordo com a federação das indústrias do Estado, a Fiemg, a respeito da proposta do banco de horas de até 300 dias. Apresentada como estratégia para atravessar a recessão, ele seria usado quando o volume de pedidos não justificasse a presença de todos os funcionários na linha de produção.
Com o atraso, 1,5 mil dos 35 mil trabalhadores da base ainda não tiveram reajuste, fechado em média em 9,9% nos acordos feitos diretamente com as empresas. "Nós sabemos que banco de horas não garante o emprego", argumenta Paulo Moreira, vice-presidente da entidade. À frente do sindicato entre 1996 e 1999, ele fechou acordo parecido, que não impediu o corte de quase metade dos funcionários da Fiat, que compõem grande parte da base.
Na montadora, os 24,5 mil trabalhadores contabilizados em 1997 - época em que o quadro de funcionários atingiu seu tamanho máximo - viraram 12 mil um ano depois. "Só o que nós perdemos naquele período na Fiat corresponde ao total de demissões dessa crise", ele afirma, justificando a avaliação de que esta recessão não é a pior pela qual a cadeia automotiva mineira passou. Desde 2014, a base do sindicato encolheu de cerca de 48 mil para 35 mil pessoas.
Depois de meses consecutivos de fechamento de postos de trabalho, Fernandes, do TRT da 2ª Região, tem observado uma mudança no perfil dos dissídios que chegam ao maior tribunal do país. "Havia muita discussão sobre PLR [participação nos lucros e resultados], novos direitos. Desde o ano passado vêm crescendo os dissídios por falta de pagamento de salários, demissões em massa", pontua. O TRT-2 autuou 72 dissídios de greve nos primeiros seis meses de 2016, mais do que os 67 do primeiro semestre de 2015 e quase o dobro do registrado em 2012, 37.
Um desses casos é o dos trabalhadores da metalúrgica Mecano, de Osasco, sobre a qual pesam dois dissídios de greve neste ano por falta de pagamento de salários. No primeiro, instituído em janeiro, houve conciliação porque a empresa se comprometeu a pagar os valores de forma parcelada, conta Gilberto Almazan, diretor do sindicato. Como o depósito das remunerações continuou atrasada, os 170 funcionários estão em greve há duas semanas, aguardando o julgamento do segundo dissídio. Funcionário da companhia há 36 anos, ele lembra que o quadro de funcionários chegou a contar 2 mil pessoas no início dos anos 1990.
O caso, afirma Almazan, não é isolado, já que Osasco é um polo importante de fabricação de autopeças, segmento que já vinha perdendo mercado para os importados no período em que o real esteve bastante valorizado, por volta de 2012, e que desde 2015 amarga a retração do mercado doméstico e a queda de dois dígitos na produção e venda de veículos. Nos últimos dois anos, ele conta, o sindicato contabiliza perda de 10 mil empregos. Atualmente, os metalúrgicos de Osasco e região, que compreende outros 11 municípios, são 35 mil.
Campanhas salariais devem ser mais acirradas no 2º semestre
O início das campanhas salariais do segundo semestre desenha um cenário ainda desafiador para as categorias. Após cinco rodadas de negociação e uma proposta de reajuste de 6,5% da Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), que não cobre a inflação acumulada nos 12 meses até a data-base, em setembro, bancários de todo o país entraram em greve na última terça-feira. Na pauta de reivindicações estão o reajuste de 14,78%, que corresponde a uma alta real de 5%, 14º salário e garantia de manutenção do emprego.
Após reunião da última sexta-feira, a Fenaban ofereceu 7% de aumento, rejeitado pelo Comando Nacional dos Bancários na própria mesa de negociação.
Os acordos coletivos das montadoras, muito concentrados neste e no próximo mês, terão o peso da negociação fechada no fim de agosto na Mercedes do ABC paulista. Na tentativa de evitar cerca de duas mil demissões anunciadas pela empresa na fábrica de São Bernardo do Campo, os trabalhadores aceitaram reajuste nominal zero em 2017. Ainda assim, cerca de 500 trabalhadores receberam na semana passada telegramas que informavam de seu desligamento, conforme o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A razão seria a adesão insuficiente ao plano de demissão voluntária (PDV) lançado logo após o acordo, 1.028, ante expectativa de 1,4 mil.
No início de agosto, o sindicato também fechou acordo para evitar demissões na Volkswagen. A fixação de reajuste equivalente ao INPC até 2021 evitou 3,6 mil cortes na unidade de São Bernardo, cerca de um terço do total de funcionários.
Depois de uma negociação conturbada, os metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) aprovaram em votação dividida no último dia 31 agosto a proposta de correção de 5% nos salários - com perda real, portanto - a partir de janeiro de 2017, nove meses após a data-base da categoria, em maio.
"Este mês de setembro vai ser diferente", afirma João Rached, negociador por mais de 40 anos de empresas como HSBC, Volkswagen e Alcoa, justificando sua avaliação de que o atual cenário de recessão não deve ser suficiente para evitar conflitos mais duros entre empresas e trabalhadores. O especialista em recursos humanos admite que os sindicatos estão com capacidade de mobilização reduzida diante do risco do desemprego, mas diz acreditar que as entidades farão pressão durante as campanhas por demandas mais ligadas à manutenção do emprego.
"Aí entra também a questão política", ele acrescenta. A atual discussão sobre a reforma trabalhista e previdenciária, em sua visão, pode ser um poderoso combustível para as negociações desta segunda metade do ano e para a atuação do movimento trabalhista, em especial das centrais sindicais.
Na última quinta-feira, 14 sindicatos de metalúrgicos, de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul, seis federações e duas confederações lançaram uma ação conjunta pela defesa dos direitos trabalhistas e da aposentadoria e contra o desemprego e a terceirização. O primeiro passo, conforme o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, Miguel Torres, será uma paralisação no próximo dia 29. Juntas, as entidades representam cerca de 2 milhões de trabalhadores.
Participante da manifestação coletiva, os metalúrgicos de Osasco lançarão a campanha salarial de 2016 no próximo dia 20. Gilberto Almazan, presidente da entidade, adianta que a pauta vai contemplar um pedido de aumento real, mesmo depois da perda de 10 mil empregos na região, que contempla ao todo 12 municípios. "As demissões estão perdendo fôlego. Boa parte das empresas já readequou o quadro de funcionários para depois da crise", justifica.
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